especial centro 03 :. Paulo Mendes da Rocha: “é um desastre completo”

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Autor do projeto de revitalização da Praça do Patriarca (foto acima), o arquiteto e urbanista Paulo Mendes da Rocha declarou em entrevista ao :.apocalipse motorizado: “o estacionamento de veículos no local é um desastre completo, já que a principal transformação foi exatamente retirar o carrossel de ônibus que existia por lá e abrir um espaço agradável para a circulação de pessoas”.

Com a instalação de alguns centros culturais na região, as autoridades passaram a fazer vistas grossas ao estacionamento ilegal, acreditando que atrair automóveis é dar vida ao centro. O paulistano, cada vez mais dependente do automóvel, não consegue aproveitar a “espacialidade técnica da metrópole”, ou seja, a possibilidade de utilizar o transporte público para se deslocar pelas mais diferentes regiões da cidade.

“É uma pena, pois é exatamente nos finais de semana que o metrô revela o seu caráter lúdico, de passeio, permitindo deslocamentos pelas mais distintas regiões da cidade em pouco tempo e de forma agradável”, afirma o arquiteto. A região central possui 5 estações de metrô, inúmeras linhas de ônibus e até estacionamentos particulares. Mas o individualismo do paulistano, estimulado pela conivência das autoridades, acentua as aberrações de uma cidade degradada, poluída e agressiva.

Entrevista com agentes da CET

Hoje saiu uma bela matéria no Estadão: uma entrevista feita pelo repórter Morris Kachani com dois agentes da CET, os “marronzinhos” Marcos Cury e Edward Nogueira. Como a matéria tem copyright, não posso reproduzi-la aqui. Mas, se você não conseguiu comprar o jornal, entre em contato pelo e-mail que a gente democratiza a informação.

Alguns trechos: “Quem anda a pé ou de ônibus normalmente é menos estressado” // “A combinação entre pressa e lentidão é explosiva” // “De forma geral, as pessoas de poder econômico mais baixo cumprem melhor as regras do que as de poder econômico mais alto” // “Eu não tenho dúvida de que a mulher é muito superior ao homem no que diz respeito a conduzir de forma prudente e segura” // “Que carro toma mais multa? Em primeiro, o Audi A3” // “No fundo, o motorista que xinga o outro está na verdade xingando a si próprio pela condição em que se encontra. A gente não pode encarar isso como uma agressão e sim como um pedido de ajuda feito de forma grotesca”.

especial centro 02 :. calçadão da Luz

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A foto acima foi tirada num domingo, em frente à Pinacoteca e ao Parque da Luz. O calçadão se transforma em mais um ponto de estacionamento ilegal amplamente tolerado pelas autoridades. No detalhe, os pedestres, obrigados se espremer entre os carros ou andar pela rua.

Do outro lado da rua fica a Estação da Luz (metrô e trem). Mesmo assim, os carro-dependentes não conseguem deixar suas máquinas em casa e usar o transporte público nem aos domingos.

especial centro 01 :. minhocão aos domingos

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Durante a semana, a rua ao lado é só poluição, barulho e agressividade. Aos domingos, o Minhocão se transforma: o longo pedaço de asfalto suspenso que rasga o centro da cidade vira praia de alguns paulistas.Barraquinhas servem lanches e bebidas, uma bicicletaria conserta e aluga bicicletas, pessoas caminham, correm, pedalam, crianças brincam, famílias passam o dia, casais passeiam e muita gente só vai jogar conversa fora com os vizinhos.

Ao contrário das avenidas Paulista e Sumaré, que ficam em regiões nobres e eram fechadas para o lazer até o ano passado, no Minhocão nada é oficial ou patrocinado: não existem banheiros, shows, cortes de cabelo, ambulâncias ou palhaços para animar as ciranças.Ícone da degradação
Alegria de pobre dura pouco: o presente dado por Paulo Maluf em 1971 fica aberto 6 dias por semana, com tráfego intenso e constante. A pista fica a 5 metros das janelas, o que obriga a prefeitura a deixar os moradores em paz no turno das 22h às 6h. O Minhocão é hoje o maior ícone paulistano dos desastres causados pelo planejamento urbano que privilegia o automóvel.

Em São Paulo ninguém quer morar de frente para o mar. Os prédios, construídos nos anos 40, 50 e 60, abrigam cortiços, quitinetes, motéis baratos, botecos sujos, prostituição, escritórios e lojas.

Morfina para o trânsito
Ainda na década de 90, com o início do processo de “revitalização do centro”, chegou a ser cogitada a demolição do Minhocão. Mas nos seus 20 anos de existência, a via expressa tornou-se um anestésico poderoso para a quantidade crescente de veículos em circulação.

A curto e médio prazo, a remoção do viaduto só é provável se houver uma mudança radical nos rumos do transporte em São Paulo. Como o brasileiro não é muito chegado em mudanças radicais e o paulistano está cada vez mais dependente do automóvel, resta apenas aproveitar o domingão na praia de asfalto.

Até domingo

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O livro acima é a inspiração para o título deste blog. “Apocalipse Motorizado – a tirania do automóvel em um planeta poluído”, publicado pela Ed. Conrad, é referência fundamental sobre o tema. Procure nas livrarias ou em bancas de jornal, vale a pena! Ouça também uma entrevista em português com o organizador do livro.O blog dá uma paradinha até domingo (27/03).

Aproveite para dar uma lida nos textos antigos (veja o arquivo) ou visite os links de oturos sites.

Não perca: semana que vem, um especial sobre o centro de São Paulo, a abertura dos calçadões, a degradação da região pelo automóvel e algumas idéias para que a sociedade consiga reverter o quadro.

bicicletada em N.Y: só com menos de 20 pessoas

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Enquanto a bicicletada paulistana agoniza por falta de participantes (apesar das milhares de bicicletas em circulação e dos 56 ciclistas mortos no ano passado), em Nova Iorque a pedalada mensal virou caso de polícia. Nesta semana a prefeitura da “big apple” entrou com ação na justiça exigindo que todo grupo com mais de 20 ciclistas que deseja pedalar pelas ruas peça autorização municipal. (veja a matéria aqui ou uma videoreportagem aqui)

A ação ainda impõe censura prévia aos sites Time´s Up e Critical Mass, que estão proibidos de divulgar as pedaladas “sem autorização”.

A ofensiva contra a bicicletada começou na convenção republicana de 2004 que escolheu Bush Jr. para a disputa eleitoral. O evento coincidiu com a bicicletada do mês de agosto, que acontece há 10 anos e teve a participação de quase 5 mil ciclistas. Centenas foram detidos (fotos: [1], [2], [3], [4], [5] ou o trailer do filme “Still we ride”, sobre a bicicletada de N.Y)

A partir daí, o prefeito Michael Bloomberg afirmou que continuaria a prender quem participasse das pedaladas, que nos seus 10 anos de história nunca precisaram prestar contas à burocracia municipal. Os meses seguintes foram tensos, sempre com prisões e ameaças, mas a participação continuou alta.

Sempre achei meio pelega essa história de manifestação com autorização das autoridades. No caso da bicicletada, o engodo burocrático fica visível: a “manifestação” consiste apenas no exercício da cidadania, ou seja, juntar uma porção de ciclistas e pedalar pelas ruas para garantir o espaço determinado até pela lei.

São Paulo, a cidade que engoliu a bicicletada
A bicicletada é o nome brasileiro para um movimento que teve origem no Critical Mass de São Francisco, em 1992. Um movimento horizontal de indivíduos, sem líder ou organização burocrática, não violento, que transforma por alguns instantes o cenário urbano e mostra a viabilidade de um outro modelo de locomoção nas cidades. Este novo modelo está baseado na sustentabilidade e na convivência, não na degradação e na agressividade para garantir o carro blindado de poucos.

Em São Paulo, a bicicletada anda em crise. As últimas pedaladas tiveram menos de 10 ciclistas. Se você pedala ou tem simpatia pela bicicleta como meio de transporte, participe e ajude a salvar a bicicletada: visite o site, a comunidade no orkut ou inscreva-se na lista de discussão.

Por enquanto, resta torcer que a prefeitura paulistana proiba manifestações com MENOS de 20 pessoas. Ou que José Serra siga o exemplo do prefeito de Portland, Tom Potter, que escolheu participar da bicicletada em vez de reprimi-la.

passado, presente e futuro na terra dos Matarazzo

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(clique na foto para ampliar. Tirada em out/04)

Outdoor em estacionamento da av. Paulista: o futuro pichado no presente. No detalhe, o passado: mansão da família Matarazzo que ocupou o terreno até 1996.O palacete foi construído no começo do século passsado. Em abril de 1986, a casa foi abandonada. Em 89 a prefeita Luiza Erundina solicitou o tombamento da propriedade, propondo transformar a mansão em um “museu do trabalhador”. Os herdeiros do conde Matarazzo conseguiram anular o tombamento na Justiça.

Em 4 de janeiro de 1996, parte da mansão desabou. Os jornais divulgaram que tinha sido por causa da chuva forte.

Dois dias depois, o Contru (órgão municipal que fiscaliza as construções) interditou a casa e “condenou” a família a reconstruir OU demolir a propriedade.

Em 11 de janeiro (apenas cinco dias depois), a demolição foi iniciada, sendo concluída em pouco mais de 30 dias. Na madrugada do dia 10 para o dia 11, o brasão que ficava na entrada da casa foi pichado. A Folha de São Paulo noticiou em 13 linhas, mas não disse o que foi escrito na pichação (seria mais um protesto silenciado pela mídia nativa ou apenas incompetência?).

“Foi sem querer querendo”
Em abril do mesmo ano, o Instituto de Criminalística divulgou laudo constatando que o desabamento foi intencional, já que as colunas de sustentação haviam sido escavadas intencionalmente. A Folha divulgou em uma nota de 8 linhas.

O processo de sabotagem ocorrido naqueles tempos bicudos de fim de governo Maluf era temporão: a grande maioria das mansões já havia sido destruída da mesma forma. No ano passado vi uma bela exposição de fotos no Conjunto Nacional sobre a história da Paulista. Durante as décadas de 70 e 80, os proprietários dos casarões (filhos e netos de quatrocentões em decadência) perceberam que os terrenos valiam ouro e resolveram embarcar na especulação imobiliária. Com a conivência das autoridades, passaram a sabotar as estruturas das casas, fazendo com que os órgãos públicos legitimassem a demolição. Surgiram arranha-céus e estacionamentos. Quem sabe, no futuro, venham as praças e as bicicletas.

noite de sexta

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Avenida Paulista por volta das 22h30 da última sexta-feira.

Já que o transporte público da cidade desaparece a partir da meia noite e o taxi é um dos mais caros do mundo, o paulistano que vai pra “balada” só tem uma opção: engarrafar as ruas também durante a noite.

Brasil: o lixão do primeiro mundo

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Do Estado de São Paulo “Mercado brasileiro é um alívio para a crise mundial da GM” (21/03, caderno Economia, p. B14).

No texto: “(…) o mercado (norte)americano, que sempre foi competitivo, está ainda mais desafiante: as vendas cresceram apenas 1% em 2004 (…). O mercado é considerado saturado (…).”

Não é só nos EUA que a venda de carros cai a cada ano. Em todo o Primeiro Mundo, o “mercado”, as ruas e as pessoas estão saturados de automóveis. Por aqui, terra de capitalismo feudal com resquícios escravocratas, ainda se acredita que desenvolvimento significa passar por todos os estágios vividos pelo Primeiro Mundo, só que 100 anos depois.

No Brasil, a indústria automobilísitica conta com incentivos fiscais generosos. Já o subsídio ao transporte público (comum em todo o Primeiro Mundo) é parco e chega até a ser questionado pelos governantes (como no caso da cidade de São Paulo)

Nem os leitores concordam com a Veja

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A pseudo-revista Veja São Paulo fez em seu site uma pesquisa sobre os problemas do centro. O curioso é ver que nem seus leitores concordam com as propostas para o centro. A pesquisa, claro, era de múltipla escolha. Interatividade é isso aí!

Até a última sexta-feira (18), nem 3% dos leitores acha que o trânsito e a falta de estacionamentos pode ser considerada um problema no centro.

Mesmo assim, das 10 idéias apontadas pela revista, 3 (quase um terço) era relacionada ao trânsito. Nenhuma das idéias apresentadas contemplava a falta de opções de lazer nem a questão da “cracolândia” (opções da pesquisa).

Ainda bem que a população de São Paulo, apesar de ler a Veja, não concorda com o que ela diz.