Se pilotar, não dirija

O circo da F1

arte: tiago nepomuceno

O circo está na cidade. Uma vez por ano, a blitzkrieg “esportiva” vem reforçar a fábula das máquinas velozes, trazendo novo gás ao bombardeio cotidiano de imagens publicitárias que prometem velocidade, poder e status em todos os cadernos de todos os jornais, em emissoras de rádio AM e FM, canais de televisão, salas de cinema, páginas de revistas e outras mídias.

A ilusão prometida pelo circo é a antítese do pesadelo vivenciado na cidade.

Diariamente, pessoas instaladas dentro de 3,6 milhões de cápsulas de velocidade instantânea cruzam 10,3 milhões de vezes a região metropolitana de São Paulo, quase sempre buscando chegar ao seu destino “o mais rápido possível”. Usando combustível suficiente para movimentar duas toneladas a 160km/h, deslocam-se geralmente sozinhos e quase nunca superam a média de 30km/h de velocidade.

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Mesmo assim, os condutores ou passageiros de automóveis particulares são considerados palhaços de primeira linha: seus colegas de espetáculo que utilizam transporte coletivo levam, em média, pelo menos o dobro do tempo para ir de um ponto até o outro na cidade.

Chamada de “trânsito”, a materialização da fé de tantos admiradores da arte circense do deslocamento instantâneo acabou se transformando, ironicamente, no maior obsáculo ao paraíso das máquinas velozes: fora do circo, o carro é o lobo do carro.

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No autódromo da ilusão, o piloto tem à sua frente uma rua livre, um asfalto bom e nenhum obstáculo pela frente. Basta acelerar e, em poucos segundos, suas duas toneladas atingirão velocidade suficiente para cruzar a linha de chegada em primeiro lugar.

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Na cidade real, onde não existe bandeira quadriculada, a disputa pela pole position se dá a cada quarteirão ou ponto de congestionamento. No mundo do “mais rápido possível”, ficar em primeiro logo atrás do último carro já é razão suficiente para pisar fundo.

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Palhaços, bailarinos e contorcionistas escutam frequentemente os nomes dos culpados pela imobilidade: chuva, feriado, caminhões, fretados ou acidentes (às vezes cadáveres que resolvem ficar estendidos na pista) são os vilões do “trânsito”. A lista destas terríveis ameaças ao bom andamento do sistema circense de mobilidade urbana é repetida ad nausea em todos os espaços noticiosos da Carrolândia (aquelas páginas dos jornais que ficam espremidas entre os anúncios automotivos ou os minutos em que o apresentador do telejornal aparece nos intervalos dos comerciais de carro).

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Nas ruas, a fábula das máquinas velozes e a lenda do deslocamento instantâneo continuam servindo essencialmente para a manutenção de um ambiente hostil, agressivo e perigoso, além de permitir a movimentação de (muito) dinheiro com o desperdício de (muitos) recursos para o assim chamado “desenvolvimento”.

Na eterna ânsia de chegar  “o mais rápido possível” ao seu destino, os dublês de pilotos locomovem-se pela cidade munidos de duas toneladas de aço, um motor e alguns vidros escurecidos. Não aceitam compartilhar o espaço com ciclistas ou dar preferência a pedestres, e ficam enraivecidos, vociferando agudas buzinas quando outro motorista “mais lento” não lhes dá passagem.

Para que um dublê de piloto de circo se transforme em um motorista urbano, ele deve primeiro renunciar à lenda do deslocamento instantâneo. Um automóvel não é uma máquina de teletransporte; seu uso está condicionado ao compartilhamento de um recurso finito e comum a todos os cidadãos: o espaço. E o automóvel é a pior maneira de utilizar este recurso, portanto estará sempre sujeito a ter “obstáculos” no seu percurso.

Na maior parte das vezes, o principal obstáculo ao deslocamento de um carro são os outros carros. Mas em outras ocasiões, pedestres atravessando a rua, carroceiros ou ciclistas também impedirão que o dublê de piloto continue acelerando até a próxima pole position.

No primeiro caso, o aprendiz de motorista deve trocar o pedal, pisar no freio e deixar o pedestre concluir sua travessia. Se o “obstáculo” for um ciclista ou carroceiro, o ex-piloto deverá reduzir a velocidade e somente deverá fazer a ultrapassagem quando houver condições seguras (para ambos, claro).

Converter pilotos em motoristas não irá acabar com o congestionamento. Deixar de fazê-lo, no entanto, além de também não alterar em nada o estado de imobilidade urbana, significa transformar todos os momentos em que as ruas não estão congestionadas em pequenos autódromos, perigosos, inseguros e hostis à qualquer um que não esteja dentro do cockpit.

Por que diminuir a velocidade das vias
Devagar e sempre
Reduza a velocidade
Diga não à fluidez
Um número mágico

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PS: As imagens que ilustram esta postagem (exceto a primeira) foram tiradas em 29 de Novembro de 2008, véspera de um evento realizado pela Prefeitura de São Paulo e por uma montadora de automóveis francesa. Foi a segunda grande ação promocional de uma empresa automobilística (em parceria com o poder público) a utilizar ruas centrais da capital para exibir infrações de trânsito e retro-alimentar máquina de produção da fábula das máquinas velozes.

Na primeira, em 2007, um bólido de fórmula 1 cruzou a cidade em altíssima velocidade. Na edição do ano passado, só agora retratada aqui, um longo trecho da avenida Pedro Álvares Cabral foi recapeado para a exibição. Ciclistas resolveram deixar algumas marcas no asfalto para lembrar que as ruas são espaços compartilhados.

Renault Stupid Show e as Ciclofaixas do Nelsinho (2008)
Renault freak show e as ciclofaixas do poder público (fotos)
Parem tudo, renovem o asfalto, um carro vai passar (2008)
O evento da Renault foi importante para pessoas carentes (2008)
Ruas fechadas para aplaudir um carro (2007)
Red Bull ainda deve R$5,6 mil aos cofres públicos (2007)
Exibicionismo privado e irresponsabilidade no espaço público

Volantino

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em algum lugar do google

A gente quer inteiro, e não pela metade: a ciclovia de lazer da Marginal Pinheiros

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Na próxima quarta-feira (14), uma comissão de sete ciclistas estará reunida com representantes do Governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo para discutir a criação de uma ciclovia nas margens do rio Pinheiros.

O “projeto conceitual” foi apresentado no último dia 05, em um reunião com mais de 50 ciclistas que teve a presença do Chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes, dos secretários municipais Eduardo Jorge (Verde e Meio Ambiente) e Walter Feldman (Esportes), além do arquiteto Ruy Ohtake e de Stella Goldenstein (Secretária Adjunta do Governo do Estado) [veja o vídeo da apresentação na íntegra aqui]

Uma ciclovia nas margens do rio Pinheiros é uma ideia antiga: pelo menos dois outros projetos já haviam sido concebidos e apresentados por arquitetos e urbanistas ao longo da última década. Um deles pode ser conferido nesta postagem do Ecologia Urbana ou no vídeo de Renata Falzoni.

O projeto atual está sendo desenvolvido pelo arquiteto Ruy Ohtake, contratado pela Associação Águas Claras do Rio Pinheiros. Não houve licitação e não há nenhum registro na internet sobre tal associação.

A lei de licitações, no entanto, foi a justificativa apontada pelos representantes dos governos para que não exista prazo para a conclusão de toda a obra (que iria do Parque Villa Lobos até o Autódromo de Interlagos). Assim como a ciclovia da Radial Leste, que permanece incompleta 13 meses depois de inaugurada, esta também deverá ser entregue “em etapas”.

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foto: ciclobr

A primeira etapa ligará apenas a usina de Traição (estação Vila Olímpia da CPTM) às proximidades do Autódromo de Interlagos, em um terreno já asfaltado e pertencente à CPTM. Terá apenas um acesso em cada ponta e outro no meio dos 14km prometidos. Um estacionamento (!!) também está planejado.

Este primeiro trecho deve ficar pronto até o início de fevereiro de 2010, período farto de inaugurações no ano eleitoral. Além da Ciclovia de Lazer do Pinheiros, as seis novas pistas para carros na Nova Marginal do Tietê também ficarão prontas nesta época. Já o Parque Várzeas do Tietê, as calçadas permeáveis e outros “detalhes” do Tietê, assim como a conclusão da ciclovia do Pinheiros, ficam para depois.

Se o projeto seguir o rumo delineado na primeira reunião, não há dúvidas de que esta ciclovia, quando inaugurada, não terá nenhuma finalidade de transporte para quem anda de bicicleta em São Paulo, devendo permanecer ociosa durante cinco dias da semana.

Para que a ciclovia sirva ao transporte, deve estar integrada à cidade. Bicicletas não são trens que seguem uma linha reta de um ponto até o outro. Bicicletas, como carros e pedestres, circulam por toda a cidade. Infelizmente, entre a margem do rio e a “cidade” existem de seis a oito pistas de alta velocidade para veículos motorizados.

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obstáculo entre o rio e a cidade / foto: cc Paulo Fehlauer

A única forma de integrar a futura ciclovia à malha urbana é construir acessos elevados até as pontes existentes ou construir pontes exclusivas para bicicletas em intervalos regulares, “desembarcando” o ciclista que vem da ciclovia em ruas minimamente adequadas (locais de baixa velocidade motorizada ou ruas com ciclovias e ciclofaixas). Para integrar a futura ciclovia às pontes existentes, é necessário adapta-las às para o fluxo cicloviário e, para isso, é necessário uma participação efetiva da Prefeitura (responsável pelas pontes). A Secretaria de Transportes do município, no entanto, não apareceu na apresentação do projeto.

A ideia de resgatar as margens do Pinheiros com a construção de um grande parque linear, cortado por uma ciclovia com acessos em cada ponte que atravessa o Rio é fabulosa. O rio como eixo estruturador da metrópole e como espaço de convivência é um sonho de todo paulistano.

Durante a reunião, os representantes do governo afirmaram que “esta ciclovia vai sair, porque o governador quer”. A frase é assustadora. Vontades de ocupantes de cargos públicos não podem determinar os rumos de uma cidade. Para isso existem as políticas públicas, construídas pelo conjunto de suas sociedades e representantes.

Uma das políticas públicas que define os rumos das cidades é o Plano Diretor. De acordo com a lei em vigor, a cidade de São Paulo já deveria ter 275km de ciclovias (em 2006) e estaria rumando para os 367km, que deveriam estar prontas até 2012.

Nada foi feito. E se somarmos a movimentação pela chamada “revisão” do Plano Diretor com o projeto inicial da ciclovia da Marginal, a sensação que fica é de uma corrida desesperada para que, no ano eleitoral, a cidade tenha algumas dezenas de quilômetros de estrutura cicloviária. Assim os  governantes de hoje, que serão os candidatos de amanhã, podem dizer “estamos fazendo”.

Ciclovias de lazer é o nosso carma – Renata Falzoni
vídeo da reunião sobre a ciclovia da Marginal Pinheiros – Aline Cavalcante
Ciclovia da Marginal Pinheiros, finalmente – CicloBR
Como foi a reunião sobre a ciclovia da Marginal Pinheiros – Vá de Bike
Vídeo sobre o antigo projeto de ciclovia na Marginal – Renata Falzoni
Proposta de ciclovia na Marginal Pinheiros – Ecologia Urbana
Ciclovia na Marginal: “esqueceram do peão de bicicleta” – Milton Jung
Panis et Circenses – Ciclovia da Marginal Pinheiros deve sair do papel – Renata Falzoni
E o rio Pinheiros continua sendo – blog Transporte Ativo
… e as falsas manchetes:
Ciclovia na Marginal vai ficar pronta em Fevereiro – Destak
Marginal Pinheiros terá ciclovia em quatro meses, afirma CPTM – Folha

Jardim suspenso da babilônia

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fotos: c Felipe Morozine (reproduzia com autorização do artista)

Desde 1971 uma via expressa exclusiva para carros e motos corta o centro da capital com barulho, poluição, trânsito, degradação e cinza.

Em um belo domingo de outubro, o Minhocão amanheceu florido.

Felipe Morozini, autor da intervenção, resolveu transformar uma parte da cidade em que vive em um espaço mais bonito. Com a ajuda de amigos e munido de cal, transformou o horizonte e trouxe mais uma vez a lembrança de que os espaços públicos poderiam ser bem mais interessantes.

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O Minhocão foi um presente de Paulo Maluf no auge do rodoviarismo paulistano: jogou uma pá de cal no centro da cidade, degradando prédios e vidas para estimular o uso do transporte individual. Como boa parte das obras viárias mirabolantes que privilegiam o automóvel, serve apenas para ligar um congestionamento ao outro e afastar as pessoas do espaço público.

Planos para demolir o viaduto são anunciados de tempos em tempos, mas a nenhum deles saiu do papel e a cidade continua investindo rios de dinheiro em túneis, pontes e vias expressas para o congestionamento motorizado.

fotos
video: [1][2]
notícias: [Estado de SP][shhh.fm][inside sao paulo (english)]
minhocão dá lugar a rio (na Coréia)
a maneira que a água deve passar

Atravecity 2009

atravecity

imagem: atravecity

No dia 30 de Outubro acontece mais uma edição do Atravecity, a corrida maluca em São Paulo. São 30km de percurso pelas ruas da capital, com três pontos de controle divulgados na largada.

Bicicletas em velocidade no meio do caos urbano. Inscrições e informações aqui.

Bicicletada das crianças 2009

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arte: laura (clique nas imagens para amplia-las)

bicicletada das crianças (Large)

arte: haase

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arte: laura

bicicletada_criancas003

arte: laura

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arte: laura

bicicletada das crianças – 2007
bicicletada das crianças 2008

Cinco segundos ou uma vida?

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Caro senhor,
nos encontramos esta tarde na Avenida Bedford. Eu era a pequena garota morena de roupa branca, pedalando uma bicicleta vermelha debaixo da chuva. Você era o senhor que dirigia um SUV azul, que chegou buzinando e encostou na minha roda traseira e que tentou me jogar para fora da ciclofaixa antes de me dar uma fechada e me empurrar para a calçada.

Você se recusou a abrir o vidro depois deste incidente e me deixou sozinha gritando “Isto é contra a lei” antes de continuar o seu caminho para casa. E ainda que isso seja mesmo contra a lei – tanto as leis que valem na cidade de Nova Iorque, quanto as que governam a convivência humana – o que eu realmente queria dizer a você era, ao mesmo tempo, menos acusatório e mais importante.

Eu sei que ciclofaixas não são uma maravilha. Você provavelmente não acredita nisso, mas os ciclistas não gostam de pedalar perto de você, da mesma forma que você não gosta de compartilhar a rua conosco. Se eu pudesse escolher entre inalar a poluição do seu carro ou pedalar em uma ciclovia cercada de árvores, eu certamente escolheria a segunda opção.

Eu também sei que a presença de ciclistas em ruas congestionadas faz com que seja ainda mais desesperador que o normal dirigir na cidade, e que alguns de nós ridicularizam vocês, desobedecendo leis de trânsito ou agindo como se nós fossemos os donos da rua (eu não sou uma dessas, mas esse não é o ponto). E eu entendo perfeitamente que, nesse momento, o sangue de vocês sobe ao avistar uma bicicleta com a qual serão obrigados a compartilhar a rua. Eu enfatizo: eu tenho um carro. É uma merda. Eu sei.

Ainda assim, não podemos todos nos mudar para Amsterdã, e as frustrações sobre o compartilhamento da rua não mudam os fatos: você está em um carro, e eu não. Você está protegido por airbags, para-choques e uma gaiola de aço; eu não estou. Você está pilotando uma tonelada de aço; eu estou pilotando algo que pesa tanto quanto um cachorro pequeno.

Se as suas frustrações de compartilhar a rua te levarem a brigar comigo, senhor, não tenha dúvidas de que você vencerá.

Você vencerá…. E eu estarei morta.

Era isso que eu queria dizer: você pode não gostar de ciclistas, e tudo bem. Mas você tem uma responsabilidade com a raça humana, e eu não deixo de existir quando subo em minha bicicleta. Eu sou a esposa de alguém, a irmã de alguém, a filha de alguém.

E se você tem uma dessas pessoas – uma esposa, uma irmã, uma filha – faça-me esse favor: pense nelas. Pense em quando você encontra a sua esposa para o almoço; imagine você esperando a sua filha voltar para casa da escola.

Agora imagine receber uma ligação, escutando uma voz do outro lado dizendo que essa pessoa – a pessoa que você ama – está morta, porque um idiota qualquer em um Audi pensou que a vida dela era menos importante do que esperar cinco segundos a mais.

Este foi um anúncio público do Departamento de Por Favor Não Mate Outros Seres Humanos.

(tradução livre de carta publicada aqui)

Desejos femininos
Manifesto Ciclista

I like mondays

monday
foto: cc firefalcon

[reunião sobre o projeto de ciclovia na marginal pinheiros – vídeo]

Bicicletas também no final de semana

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No sábado (03), o pedal feminino de Outubro das Pedalinas. Concentração às 14h, saída às 15h. Na Praça do Ciclista.

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No domingo (04), o 1o Passeio da Cicloexistência, promovido pelo Centro de Cultura Judaica e pela Prefeitura. A saída é às 10h30, na UMAPAZ (Parque do Ibirapuera, portão 7-A – av. IV Centenário).

Todo dia é dia de ciclofaixa