O centro pela ótica da Veja

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Passando por uma banca de jornal, vi a capa da “Veja São Paulo (detalhe na foto ao lado)” me dizendo “Nova chance para o centro”. Com medo, apressei o passo, voltei pra casa e abri a internet.
A matéria começa com um perfil do subprefeito Andrea Matarazzo. Destaco os seguintes trechos, já que eles colocaram a personalidade antes da notícia:
– “Andrea Matarazzo viveu e trabalhou em um palácio de 22.000 metros quadrados, o Pamphili, na Piazza Navona, em Roma. Tinha dez assessores e andava de carro escoltado por quatro batedores de moto.”
– “
Desde o dia 3 de janeiro, ele sai no próprio carro rumo ao deteriorado prédio da subprefeitura da Sé.”
– “
Apaixonado por velocidade – é dono de uma moto Honda Blackbird modelo 97, de 1.137 cilindradas, capaz de superar os 250 quilômetros por hora”

Depois, entre as grandes idéias para o centrão levantadas pela Veja, três chamam a atenção:

1) Fim dos calçadões: (é também a primeira na ordem da Veja): as ruas fechadas para carros são descritas como algo que “não deu certo”, uma tentativa romântica de revitalizar o centro na década de 70. Mas as “praças, lojas, bares e livrarias, anos depois se transformaram em um nó. O trânsito estrangulado (…) expulsou os consumidores de maior poder aquisitivo e o comércio de melhor qualidade”. Hoje só existem “ambulantes e estabelecimentos especializados em artigos populares”.

Opa! Se o trânsito expulsou os consumidores, temos que fazer os consumidores usarem o transporte público, e não estimular o uso do carro, trazendo
mais trânsito para o local! E quem disse que o centro tem que ser um lugar para “consumidores de maior poder aquisitivo?”. O centro é de todos os cidadãos (consumidores ou não); afinal queremos um centro ou mais um shopping center?

O centro vai mal porque falta iniciativa (pública e privada) e sobra corrupção e falatório. A máquina pública ainda é corrupta, impregnada de coronéis, sacanas e ladrões de toda espécie, pequenos e grandes usurpadores do bem público. A polícia é truculenta, mata, espanca, cobra propina, para o carro em cima da calçada, desconhece a lei, ganha um salário de merda e serve como cão de guarda dos encastelados, de seus carros e celulares. A justiça é quem dá o carimbo final em qualquer máfia, quem legaliza a especulação e permite a impunidade.

2) Garagens subterrâneas: para anestesiar por algum tempo o “nó” que mais atormenta os leitores de Veja que desejam ir ao centro montados em suas propriedades particulares, a matéria também sugere a construção de garagens subterrâneas. “No parking, no bussines (em inglês: sem estacionamentos, não há negócios)” é a frase do francês Jacques Chirac que o subprefeito paulistano gosta de repetir, segundo a revista. Quintuplicar o número de vagas da região (de 1200 para 7000) é o plano.

“Quem vai ao Teatro Municipal fica nas mãos dos flanelinhas, a não ser quando o promotor do espetáculo providencia manobristas (um serviço sempre demorado por ali)” é o exemplo dado pela revista.

Várias casas antigas na região, totalmente desfiguradas e destruídas, viraram estacionamentos particulares. Quem vai ao teatro de carro (apesar da linha de metrô na porta, das centenas de ônibus e do taxi) pode parar em um desses estacionamentos. Ou a construção das garagens prevê a redução do número de estacionamentos particulares e a restauração das casas???

3) “Carroceiros e mendigos saem de cena” é o título do terceiro destaque. Os “mendigos”, como escreve a revista, que são sujos, enfeiam a cidade e não tem bons modos, devem ser jogados para baixo do tapete, escondidos em alguma clínica, albergue ou hospício (isso quando não são mortos em série, como no ano passado, no caso até hoje sem resolução).

Os carroceiros também serão impedidos de circular, pois “apesar de contribuirem para a reciclagem, eles atrapalham o trânsito e prejudicam o comércio”. Os carroceiros SÃO O TRÂNSITO!!! Estão no código nacional de trânsito como um veículo, assim como as bicicletas!

A pressa estúpida do motorista que circula na capital é o que provoca acidentes, mortes, estresse, barulho, brigas, mau humor, agressividade e desrespeito. A velocidade média de um veículo nas regiões centrais de São Paulo durante boa parte do dia equivale a de uma bicicleta. Mas o motorista tem nas mãos uma máquina que vai a 150km/h com um movimento de seu pé. Aí ele lembra daquele comercial do carrão a 150 km por hora, numa rua livre, indo buscar aquela mulher maravilhosa e acelera sempre que vê um espaço livre. Acelera e freia, anda e para.

Depois dessas pérolas, a pseudo-revista fecha com chave de ouro: o perfil de Jaime Lerner com um título digno de turnê de popstar ou slogan de filme de ação: “Ele revolucionou Curitiba. Agora quer ajudar a sacudir o centro de São Paulo”. É rir pra não chorar.

o tamanho do problema

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Estima-se que os carros ocupem cerca de 30% (ou seja, quase 1 terço) da área urbana de São Paulo com a circulação e o estacionamento.

Nesta antiga fábrica, transformada em estacionamento ao lado da Marginal Tietê, é possível ter uma dimensão do problema. (foto: Branca Nunes)

ilegal na Paulista

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Mais estacionamento ilegal tolerado pelos “competentes”. Desta vez na av. Paulista, ao lado do prédio da Gazeta na noite de ontem.

Neste local só é permitido o embarque e desembarque (na baia paralela à pista). Mas nas noites de segunda a sexta, todos os carros param em 45 graus, ou seja, em cima da calçada.

Reparem que as 4 pistas da Paulista estão livres. Mas parar na rua não pode, atrapalha o trânsito…

obesidade infantil (parte 2)

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Fila dupla: mais uma ilegalidade largamente tolerada pelas autoridades “competentes” e amplamente praticada pelos civilizados pais paulistanos (que belo exemplo para os filhos, hein?). Além disso, outra provável causa de obesidade infantil.

Mães (ou pais) que levam e trazem seus filhos da escola transtornam de tal forma a circulação na cidade que durante as férias escolares o rodízio de veículos é suspenso na capital.

Geralmente as crianças moram perto da escola onde estudam, mas os pais não acham “seguro” deixar seus filhos andar pelas ruas. E não é medo de atropelamento não…

Hoje já é comum encontrar jovens de 20 e tantos anos que NUNCA andaram de ônibus ou metrô na vida. Alguma relação com o número de crianças obesas ter crescido 240% nos últimos 20 anos?

Bicicleta aos domingos

Domingão de sol em SP. Ficou em casa? Foi à padaria de carro? Assistiu Faustão? Ou viu o jogo que tava passando no “pay-per-view” no seu home theather pra “se sentir no estádio”?

Eu fui dar um rolê de bicicleta. Sol na cara, água de coco, caldo de cana, pastel, conversas inusitadas com pedestres e outros ciclistas… Domingo é o único dia da semana que os estressados motoristas respeitam os ciclistas.

Já que esse domingo acabou, fica a sugestão para o próximo: tire aquela bicicleta que está guardada em algum canto da sua casa, dê uma boa limpada nela e saia por aí livremente pedalando e conhecendo a cidade. Não é difícil, não exige muito esforço e é bastante agradável. Use capacete e respeite os pedestres (não faça com eles o que os motoristas fazem com você). Boa semana e até amanhã!

pequeno clipping e vídeos excelentes

Hoje não tem foto. Abaixo, alguns links para reportagens da semana e vídeos disponíveis na net sobre o tema deste blog.

Vídeos excelentes:
Quem não conhece, vale visitar: Archive.org. O nome já diz: um fabuloso arquivo de áudio, vídeo, textos e software. Ao contrário do Brasil, onde as empresas de mídia e os órgãos públicos deixam aos ratos seus arquivos e impedem o acesso público ao que sobrevive, em outros países a preservação e o livre acesso são a regra.

O Archive.org traz uma fantástica coleção de vídeos antigos norte-americanos desde a década de 30. Naqueles tempos de macartismo, a “dotrina bush” e os interesses da indústria petrolífera eram mais explícitos. Todos os vídeos são de domínio público ou em Creative Commons :

  • Destination Earth: excelente desenho animado de 1956. Patrocinado pelas empresas de petróleo dos EUA, conta a história de um agente marciano que veio à terra para descobrir uma fonte de energia para a limusine do tirano que governa seu planeta (é marte ou a URSS?). Além do petróleo , o marciano descobre a “livre iniciativa”. Propaganda anti-comunista aliada à apologia ao petróleo. Quer coisa melhor?

  • In the suburbs: propaganda do “american way of life” feita na década de 50, narra a maravilhosa vida nos subúrbios daquelas famílias de comercial de margarina. As cidades espalhadas, onde tudo é longe e acessível apenas para quem tem um automóvel, são mais uma característica importada do grande irmão do norte.

  • Assignment Venezuela: video-propaganda da década de 50 que mostra a boa vida de um executivo norte-americano que se mudou para a Venezuela a serviço da Standart Oil. E tem gente que ainda acredita que Bush quer Hugo Chavez fora do poder para implantar uma democracia “de verdade”.

  • Key to our horizons: também da década de 50, este vídeo-propaganda mostra a importância (ou seria dependência?) do automóvel para a economia norte-americana.

  • Autoschreck (Car Fight): vídeo feito pelo alemão Roland Schraut em 1994. Mostra os carros tomando as ruas, calçadas e espaços públicos. Depois vem a sensacional revanche dos pedestres. Em Real Player.

Além desses, vale muito procurar em programas P2P (como o emule) o vídeo “Motor Mania”. Feito em 1950 pela Disney, o desenho traz o Pateta (Goofy, em inglês) como um pacífico pedestre que se transforma em um monstro ao entrar no carro. Para comprar, só DVD gringo.

Ah, que delícia: sexta-feira…

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A bela sexta-feira do paulistano, por volta das 16h, na Marginal Tietê. Não é delicioso estar fechado dentro de um carro, parado num congestionamento, ao lado do esgoto, no dia mais quente do ano com e uma nevoa de poluição ao seu redor? (foto: Branca Nunes)

Henry Ford para prefeito!

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Mais uma idéia brilhante da Prefeitura de São Paulo vai ajudar a tornar a cena acima cada vez mais freqüente e a cidade cada vez mais agradável e silenciosa. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, a CET está concluindo estudos para alterar o formato do rodízo de veículos na capital. O rodízio surgiu em 1995 para reduzir a poluição atmosférica na cidade e depois virou apenas um alívio entorpecente para o trânsito cada vez maior.

A idéia (que deixaria até Henry Ford envergonhado) consiste em realizar o rodízio apenas em avenidas principais, deixando as vias secundárias livres da proibição. Atenção para a declaração do presidente da CET, Roberto Scaringella: “A gente liberaria a miniviagem. Ou seja, para quem mora num bairro e quer ir da casa dele até a escola do filho. Hoje, ele não pode. Mas, se ele fizer esse deslocamento, não estará sobrecarregando os corredores congestionados.”. Em contrapartida, a CET promete aumentar o número de placas, o horário e as avenidas incluídas no rodízio.

Esse tipo de deslocamento (miniviagens) é exatamente aquele que deveria ser feito a pé ou de bicicleta (o meio ideal para viagens de até 8km).

“É preciso utilizar mais os horários ociosos e os espaços ociosos. Se der para aliviar vias muito congestionadas utilizando mais vias secundárias, é uma forma de distribuir a demanda de viagens mais racionalmente”, afirma Scaringella. Afinal, racionalidade é isso: para que entupir apenas as vias principais se podemos entupir a cidade inteira?

É consenso entre urbanistas e engenheiros de tráfego que o rodízio de veículos é apenas uma medida paliativa: ele alivia a situação imediatamente, mas outras atitudes devem ser tomadas para reduzir o tráfego. Em São Paulo, desde 1995, absolutamente nada foi feito nesse sentido, a não ser a reestruturação do transporte público iniciada pelo governo Marta Suplicy e descontinuada pelo atual prefeito.

Scaringella, segundo a reportagem, defendia até pouco tempo a implantação do pedágio urbano. Mas o Executivo considera a medida “muito radical”, pois “quebraria algumas atividades”. No entanto, não soa “radical” continuar matando cidadãos com a poluição atmosférica (70% da poluição da cidade é causada pelos veículos) ou degradar bairros inteiros com o trânsito.

Enquanto boa parte dos países decentes vem adotando medidas de restrição de circulação e estacionamento de carros, São Paulo mostra mais uma vez a sua mentalidade medíocre e subdesenvolvida com idéias brilhantes como esta. E preparem os hospitais, pois o número de doenças respiratórias e de câncer continuará aumentando.

obesidade infantil (parte 1)

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A obesidade infantil já atinge 10% das crianças brasileiras. Nos últimos 20 anos, o número de crianças acima do peso cresceu 240%.

A foto, tirada na garagem de um prédio de São Paulo talvez indique uma das causas: em vez do bom e velho velocípede, uma moto elétrica (!!!).

Com medo até da própria sombra, os paulistanos enclausuram seus filhos em condomínios com cercas e câmeras, dão um videogame para ele se divertir e um computador com acesso à internet para que ele possa “estudar” (afinal, criança não vê site de sacanagem… certo?).

4 suítes, 9 vagas

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Anúncio de condomínio de mansões (!!!) na av. IV Centenário, ao lado do parque do ibirapuera.

Em uma casa com 4 suítes, imagina-se que vivam 5 pessoas… Em São Paulo, as famílias bem nascidas (e até as não tão bem assim) costumam ter um carro por pessoa.

E os outros 4 carros? Ahhh… devem ser da empregada, do mordomo, da passadeira e da cozinheira, não? Afinal a elite brasileira costuma pagar muito bem seus serviçais… Não????