Dois pés atrás

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Com o slogan “Só máquinas perfeitas”, começa amanhã (18) o 8o Salão Duas Rodas. Dois pés atrás: o cartaz não se diferencia em nada da divulgação do Salão do Automóvel, das exposições de gado ou das feiras eróticas. Substitua as motos e bicicletas por automóveis, bois ou bonecas infláveis e você vai ver que o argumento procede. Na programação, nada a respeito de mobilidade urbana auto-sustentável e não poluente.

Individualismo sobre duas rodas

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“Vá para as ruas e defenda uma grande causa: a sua”. Lamentável ver uma empresa que também fabrica bicicletas fazer uma propaganda tão escrota quanto esta. Nem as indústrias de blindagem automobilística conseguiram utilizar com tamanha cara-de-pau o individualismo como apelo de consumo, desprezando aqueles que lutam (nas ruas e coletivamente) por melhores condições de vida e circulação nas cidades.

A velocidade e os vidros escuros

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Mais uma apologia à velocidade que mata: “desafia as leis da física: gruda no chão e voa ao mesmo tempo”. Só faltou dizer que destrói obstáculos (vivos ou não) sem prejudicar a saúde de quem dirige. “Air bags”, carros que absorvem impacto, cintos de segurança, milhões de dólares em pesquisa: tudo para zelar pela integridade do motorista. Se você está do lado de fora, é melhor se cuidar para não ser atingido pelas duas toneladas que “voam” de 0 a 100km/h em 5,7 segundos.

Isso sem falar dos vidros pretos: as películas que escurecem o vidro são proibidas na intensidade mostrada no anúncio. De acordo com a resolução do Contran, a transparência do vidro (de dentro para fora) não pode ser reduzida em mais de 25% no para-brisa e 30% nos vidros laterais. Que atire a primeira pedra quem já viu algum veículo sendo multado por esta infração.

No feriado, dirigi pela primeira vez um carro com vidros escurecidos. Mesmo seguindo a lei, o escurecimento do vidro atrapalha (e muito) a visibilidade do motorista. Olhar nos retrovisores laterais torna-se um ato heróico. Além disso, os vidros pretos impedem a comunicação entre motoristas, pedestres e ciclistas: fica impossível sinalizar para o pedestre que ele pode atravessar a rua, agradecer o ciclista pela passagem cedida e outros atos necessários para a convivência nas ruas.

Abrace a Coopamare

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(“lata de lixo anti-catador”: centro de mídia independente / Henrique Parra)

A Coopamare, cooperativa de catadores de papel que há 15 anos desenvolve “atividades socioeducativas e de geração de renda para a população de rua”, está ameaçada de despejo desde o último dia 26 de setembro.

No próximo domingo (09, amanhã), às 10h, tome a sua vacina anti-higienista e vá abraçar a coopamare.

Sociedade do Automóvel – vídeo para download


arte: Gustavo Aguillar (Mastan)

Graças ao colega Newton Costa (que gentilmente cedeu um espaço para hospedar o arquivo), está disponível para download uma versão digital do vídeo “Sociedade do Automóvel”, trabalho de conclusão de curso dos jornalistas Branca Nunes e Thiago Benicchio.

Visite o site, faça o download do arquivo, copie, empreste, distribua, exiba. (“copyright? is dying…”)

A rua do povo e os reféns das máquinas

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Como é bom ver a Paulista ocupada pelo povo, e não por fedorentos automóveis.

Foi a maior manifestação dos últimos tempos: mais de 15 mil professores protestaram na tarde de hoje contra um projeto de lei do governador Geraldo Alckmin e de seu “Robin para negócios em educação”, Gabriel Chalita. Depois de vetar o mísero aumento de 1% para as universidades públicas, Alckmin apresentou um projeto que prevê a demissão de 120 mil educadores da rede estadual e a contratação de professores em esquema de contrato temporário (de 3 a 6 meses). Em outras palavras, a tercerização da educação pública.

A massa humana que subiu a Brigadeiro interrompeu o trânsito ao virar na Paulista. Alguns motoristas reclamaram indignados na típica sensibilidade social paulistana: “fica aí atrapalhando o trânsito, vai trabalhar!”.

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Outros pareciam ter percebido com inveja que o outro lado da rua era mais festivo… Talvez alguns poucos tenham até notado que os milhares de professores ocupavam muito menos espaço que seus carros. E se 1 milhão de pessoas estivessem “bloqueando o trânsito” ao atravessar durante horas o cruzamento, quem sabe um motorista não inciasse conversa com o vizinho do carro à frente ou pedisse o telefone da linda motorista ao lado, como no conto “A Auto Estada do Sul”, de Julio Cortázar (leia o original em espanhol aqui ou veja o preço do livro aqui).

Como é bom não estar preso a uma âncora de duas toneladas de petróleo, aço e vidro, que não pode ser abandonada em caso de emergência.

Globo, carro, celular

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O anúncio acima estava na revista Época, que eu recebi gratuitamente no último fim de semana (oferta de uma empresa de telefonia que quis fazer um “agrado”). Entre os anúncios, 8 páginas eram dedicadas aos automóveis, 8 às Organizações Globo (Fundação Roberto Marinho, canais e revistas da Globo) e 6 às empresas de telefonia celular.

É impressionante como a distância entre propaganda e mentira é cada vez menor. Para vender um carro, por exemplo, é necessário descontextualizá-lo totalmente. Repare no cenário acima: tudo que o carro impede quando é transformado em modelo único de locomoção está lá: a praça, o passeio, o ciclista, o céu azul…

Não existem propagandas com carros em congestionamentos monstruosos, céus poluídos, ciclistas espremidos, pedestres amedrontados…

Outro detalhe interessante: quase todos os anúncios de automóveis trazem os veículos com os vidros pretos. Apesar de ilegal, escurecer totalmente o vidro (principalmente o dianteiro) é fetiche generalizado na sociedade que trocou a convivência pelo isolamento, a praça pela grade e a janela pela tela da televisão.

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Semana passada reclamaram que a Marilyn Monroe já tinha aparecido duas vezes aqui no site. Aí vai o companheiro Che Guevara pra acalmar os ânimos femininos.

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A 37a Bicicletada de São Paulo começou com alguns trabalhos manuais.

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Placas inspiradas em Duchamp avisavam que o motorista não estava tendo uma alucinação: “isto é um carro”. Na hora do rush da última sexta-feira (30), nossas bicicletas passaram a ocupar o espaço de um automóvel com a ajuda de algumas bóias de piscina, fios de barbante e cartazes “hecho a mano”.

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Ocupando a segunda faixa da Paulista para mostrar que bicicleta também faz parte do trânsito, economiza espaço, não polui, humaniza a cidade, permite a convivência e ainda diverte quem a utiliza.

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Muitos motoristas apoiaram a inciativa, acharam a manifestação divertida e sentiram por não estarem pedalando conosco. Um pedestre aplaudiu, o outro gritou: “é isso aí!”. Passageiros de ônibus vibraram e desejaram boa sorte.

No trânsito parado, panfletagem e conversas com os motoristas sobre o espaço ocupado pelos automóveis, sobre as causas do trânsito e as alternativas para o caos paulistano.

Mas nem só com rosas e alegria se faz uma bicicletada: meia dúzia de motoristas enfurecidos, estressados e angustiados xingaram os pedalantes (claro, só depois de passar pelo lado e ganhar uma boa distância para que o xingamento fosse feito “com segurança”).

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Lá pelas tantas, uma moto da CET encosta e diz: “para a direita, para a direita”. Não fomos, pois a lei nos permite trafegar na segunda pista em vias com corredores ou vias exclusivas para ônibus. Conversa vai, conversa vem, o motoqueiro informou que algum motorista tinha ligado para a central informando que alguns ciclistas estavam “atrapalhando o trânsito” na avenida paulista.

Além de cometer infração ao usar o celular dirigindo, o pobre motorista não sabe contar: se olhasse ao redor, veria que eram seus milhares de colegas motoristas solitários que estavam a causar o congestinamento e não a meia-dúzia de bicicletas coloridas.

Depois de muita conversa sobre o caos motorizado, o motqueiro desejou “boa sorte” e recomendou cautela: estávamos no meio de pessoas armadas e estressadas, capazes de matar um semelhante pelo simples impulso de querer chegar mais rápido até o próximo congestionamento. Sorrimos, desejamos boa noite e fomos curtir a noite.

Em outubro estamos de volta: sempre na última sexta-feira do mês, às 18h, no finalizinho da Paulista (quase na Consolação).

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Hoje tem bicicletada

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(arte: pedalero)