O bonde da massa

arte: Daniel Haase

Em Curitiba, a bicicletada acontece sempre no último sábado de cada mês.

Neste sábado, a massa curitibana irá receber mais de 30 pedalantes paulistanos, que embarcam para a capital paranaense logo depois do aniversário de seis anos da Bicicletada de São Paulo (sexta, 25).

rodafixa
blog da bicicletada de curitiba

Seis anos, eu vô!

arte: luna rosa sobre terceiros e domínio público

Julho, mês de aniversário da massa crítica paulistana. Última sexta-feira do mês, dia de celebrar.

A festa começa às 18, na Praça do Ciclista: concentração lúdico-festiva daqueles que insistem em conviver nos espaços públicos.

Às 20h, a massa toma as ruas para que as ruas não tomem a cidade.

Traga sua alegoria, seu cartaz ou panfleto e venha  experimentar outra cidade.

convite (versão para impressão) e logos de aniversário
Bicicletada: festa de cinco anos
www.bicicletada.org


    eu vô:

A cidade está tranqüila

Depois de três semanas em Portland e São Francisco e mais de 20 horas entre aeroportos e aviões, cheguei em Guarulhos na manhã de uma sexta-feira.

O primeiro contato com a realidade é o fato do aeroporto mais importante da América do Sul não ter uma ligação por trilhos com a cidade (apesar das linhas pontilhadas já estarem no mapa há duas eleições para governador).

Quem chega à capital paulista vindo de outro país tem duas opções: táxis que cobram entre R$80,00 e R$150,00 ou um serviço de ônibus que leva os passageiros até estações do metrô, por R$28,00. Ambos estão sujeitos às intemperes da cidade mais congestionada da América do Sul e, dificilmente, o percurso até o centro da capital leva menos de uma hora.

Geralmente venho de ônibus. Desta vez, além de cansado, estava com medo do trânsito: na ida levei 2h30 até o aeroporto. Somadas às 20 e tantas horas de vôo, estes 150 minutos seriam intermináveis. Optei pelo extorsivo táxi e, para minha surpresa, levei pouco mais de 30 minutos. Ruas livres, parecia domingo.

*

Poucas horas depois de chegar, saí para almoçar com um amigo.

“O trânsito está bom mesmo… por isso está mais perigoso”.

Aquela semana era a primeira em que vigorava a criminalização dos caminhões, anunciada como panacéia para o trânsito há alguns meses e implantada no momento mais oportuno do calendário eleitoral: junto com as férias escolares.

A legitimação da idéia de que são os caminhões os grandes vilões do trânsito contou com a importante ajuda de dezenas de matérias prévias na mídia corporativa e, principalmente, dos universitários motorizados e das mães e pais que levam os filhos para a escola de fevereiro a junho e de agosto a dezembro.

Para o Homer tele-comandado, que a cada 2 anos se transforma em cidadão apertando botões em uma urna eletrônica, a perceptível melhora do trânsito é conseqüência direta da proibição dos caminhões, não do recesso estudantil (ou ao menos dos dois fatores combinados). “Fechemos as escolas”, diria o mais fanático.

Com o trânsito fluindo melhor, as máquinas correm mais. Para quem anda de bicicleta, isso significa maior risco de algum “acidente” grave.

*

Se os dias estavam mais velozes e furiosos, as noites prometiam ser mais calmas. A outra notícia “em pauta” na cidade era a chamada “Lei Seca”…

Confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha com a questão semântica.

Como assim “Lei Seca”, se menos de 30% da população anda de carro? Como assim “Lei Seca”, se ninguém está proibido de beber, mas sim de combinar álcool e direção?

Se as inúmeras matérias sobre o “problema dos caminhões” serviram para legitimar as restrições aos veículos de carga, o que estariam buscando os manipuladores de incoscientes com a “alcaponização” do termo ao abordar a combinação álcool+direção?

Seria uma tentativa de mobilizar todo mundo que bebe para defender o “direito” dos frequentadores das Vilas Madalenas e Olímpias de tomar porres e bater seus carros nas madrugadas selvagens de sextas e sábados? Ou será que os produtores e consumidores da mídia corporativa fazem parte do mesmo pequeno mundinho “paulistano-motorizado-do-centro-expandido” que nem perceberam o desvio?

*

Como era dia, resolvi seguir o balanço acima, deixei a bicicleta de lado e saí para uma caminhada. O processo de readaptação passou por lembrar meus instintos que em São Paulo o pedestre jamais tem a preferência.

Nas faixas de pedestre que insistem em permanecer pintadas, mesmo depois do brutal desleixo com que foram tratadas nos últimos anos, a travesssia é sempre um enfrentamento: fixar o olhar no pára-brisa muitas vezes escurecido pela paranóia e dizer “eu atravesso, você para!” é o exercício cotidiano que nos esquecemos depois de passar algum tempo em lugares onde o óbvio é óbvio.

O mesmo raciocínio é válido para as dezenas de garagens que ostentam placas dizendo “cuidado, veículos”. É preciso “lembrar” os motoristas a cada 100 ou 200 metros que a calçada é um espaço de fluxo de pedestres que pode conter rampas de acesso a garagens, e não o contrário.

*

Depois de alguns combates visuais que passavam em slow motion, minha atenção se voltou para uma gritaria em uma esquina da rua Agusuta. Me aproximei e vi um homem com uma barra de ferro atravessando a rua e correndo atrás de outro.

A turma do deixa-disso interveio e segurou o homem com a barra de ferro. O outro continuou xingando e chamando para a briga. Alguns minutos e muitos insultos depois, o homem com a barra de ferro é afastado.

A potencial vítima da marretada era um pedestre, que reclamou e deu uns tapas no ônibus parado em cima da faixa. Ele assume que falou alguns palavrões, mas a barra de ferro me pareceu uma reação desproporcional.

Submetido à rotina insana de dirigir um ônibus em uma cidade congestionada por carros, ao cumprimento de critérios de produtividade para garantir o lucro do dono da empresa e a todas as outras variáveis sócio-econômicas, o motorista do ônibus simplesmente decidiu que iria rachar a cabeça daquele pedestre que reclamava.

Infelizmente o grau de insanidade no trânsito continua muito alto e os casos de fúria no trânsito são cada vez mais freqüentes, atingindo pessoas das classes A a Z.

*

Aplicar analgésico proibindo os caminhões ou receitar a suspensão do álcool não terá muito efeito no combate à doença deste paciente chamado Cidade.

A dependência crônica do automóvel continua sendo uma patologia mais misteriosa que o câncer.

Estudiosos e médicos de plantão nos gabinetes seguem distante das causas, obscurecidos por interesses econômicos muito maiores do que os da indústria farmacêutica e até hoje imunes a qualquer questionamento.

Na audiência televisiva de domingo à noite, que se prepara para enfrentar a “batalha do trânsito” na segunda-feira, a doença provoca reações como medo e euforia, servindo para a inoculação de desejos de consumo e panacéias individuais para problemas coletivos, tendo como efeitos colaterais a alimentação de máfias e a desintegração social.

A Cidade segue em coma.

Reflexões sobre a bicicletada pelada

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Eram muitos os pelados
Pelados em Portland
Para servir e proteger

Bicicletando no Brazil

foto: Chris Carlsson

O Bikescape colocou no ar o áudio da apresentação que fiz junto o Eduardo Green na Towards Carfree Cities em Portland.

E este é o slideshow usado na minha parte.

O mito das subidas

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Não é só a capital portuguesa que enfrenta o mito das subidas. Alega-se por lá que a “cidade das sete colinas” é inviável para o uso da bicicleta.

O engenheiro Paulo Guerra dos Santos quer romper com esta lenda, provando a viabildade da bicicleta em sua cidade, talvez a última capital européia a aceitar a bicicleta como meio de transporte.

São Paulo não é muito diferente. Subidas não são empecílios para quem anda de bicicleta. Além da evolução tecnológica que criou bicicletas leves e cheias de marchas, dois conceitos provam o contrário:

– toda montanha é “contornável” por um caminho menos íngreme do que aquele utilizado pelos automóveis (e estas são as rotas que devem ser disponibilizadas aos ciclistas em cidades que não são  totalmente planas).

– uma coisa é subir uma ladeira espremido por carros pilotados por motoristas impacientes, com fumaça no rosto e buzinas no ouvido. A outra é subir tranquilamente, em ritmo constante, sem sofrer ameaças laterais de máquinas de duas toneladas.

Maníacos por bicicletas

Durante duas semanas de verão no hemisfério norte, a cidade de Portland hospeda o Pedalpalooza, um festival com todos os tipos de maluquices relacionadas a bicicleta.

Entre roteiros históricos pela cidade e lavagem de bicicletas de biquini, foram 217 eventos em 14 dias. Um complemento perfeito para a conferência da World Carfree Network.

As atividades são auto-gestionadas. Ou seja, qualquer um pode incluir o seu rolê na programação oficial e fica responsável por realizá-lo. Até o prefeito eleito, Sam Adams, resolveu propor uma atividade.

Além da programação oficial do Pedalpalooza, outros eventos rotineiros como a corrida de triciclos “indoor” em um bar da cidade agitavam dias e noites no verão de Portland.

Em torno de uma mesa de sinuca, dois competidores por vez, com direito a locutor e bandeirada final. Parabéns a Lady JAY, a grande vencedora.

No dia 20 de junho, o “Solstice Ride” (Pedal do Solstício) reuniu mais de 300 pessoas em uma alegre massa crítica noturna.

Sem líderes ou responsáveis, o Solstice Ride foi uma coalizão de grupos em direção ao Monte Tabor, um parque no alto da cidade. Mais uma “coincidência organizada” para celebrar a vida.

No caminho, só aplausos.

Antes de chegar ao Monte Tabor, duas paradas em estacionamentos, onde novos grupos se juntavam à massa.

Música vinda de bicicletas sonoras, dança e confraternização na ocupação espontânea dos espaços geralmente usados para o estacionamento de veículos motorizados.

Bikes not bombs!

Depois de uma bela subida, a noite que antecedeu o solstício continuou com mais festa, música, dança, conversa e diversão.

Também serviu para celebrar o primeiro aniversário de casamento de Tiago DeJerk e Adriane.  Eles se casaram durante o Solstice Ride de 2007, quando uma procissão de bicicletas os acompanhou até o Monte Tabor.

O objetivo dos mais resistentes era ficar por lá até o amanhecer. Para mim, a vista da cidade, a música, algumas cervejas e outro tanto de conversa foram suficientes.

From geeks to freaks, a look at Portland Bicycle Culture

Chega de ghost bikes

Em várias cidades do mundo, a morte de um ciclista é marcada pela instalação de uma “ghost bike (bicicleta fantasma)” no local do “acidente”.

Em Portland, mesmo com toda a infra-estrutura urbana e o respeito dos motoristas, os pilotos de veículos motorizados continuam matando usuários de bicicletas.

Até hoje não há notícia de um “acidente” onde um motorista tenha sido morto por um ciclista.

Nick Bucher foi morto em fevereiro de 2007. Tinha 24 anos. Dias depois, os ciclistas de Portland instalaram a ghost bike. “Um filho muito especial” dizia a bandeirinha colocada na lateral da bicicleta.

Foi a primeira e única ghost bike que vi em Portland. Tão bela, tão triste. Fiquei ali alguns minutos, contemplando as flores, pensando sobre as razões que transformaram uma coisa tão boa como pedalar em algo tão “perigoso”.

A ghost bikes são belas homenagens às vítimas dos motorizados, servindo também para sensibilizar os potenciais assassinos sobre o perigo de suas máquinas.

São belas, mas o sonho de todos os ciclistas é viver em cidades onde não existam ghost bikes.

Em tempo: o projeto ghostbikes.org tem como objetivo catalogar todas as bicicletas fantasma instaladas ao redor do planeta (inclusive a de São Paulo).

Festa na prefeitura

O meu terceiro dia da conferência Towards Carfree Cities (quinto em Portland) começou com a apresentação dos canadenses do Streets are for People e dos californianos do People Power.

Na verdade, só assisti ao final da conversa… Perdi a hora naquela manhã, depois de quatro dias de pedalpalooza, dezenas de pedais malucos, algumas cervejas e outro tanto de música.

Tudo bem: em breve o vídeo da apresentação deve estar disponível no Streets are for People e deu para trocar muitas figurinhas com os canadenses Shamez e Michael J do lado de fora do auditório.

Como eles disseram, o horário das 9h da manhã era bastante ingrato e boa parte da conferência acontece nas trocas diretas durante as cervejas, pedais malucos e outras atividades lúdicas que animam o mês da bicicleta em Portland.

O Streets are for People é um grupo de ação direta em Toronto, Canadá, que vem mostrando na prática e com muita criatividade que as ruas são das pessoas.

Em Portland, a dupla participou de uma ação direta chamada de “Park or Nap” (estacione ou tire um cochilo). O foco era uma lei aprovada recentemente, que proibe dormir ou sentar nas ruas. Veja o vídeo do Departamento de Trabalhos Realmente Públicos em ação contra a gentrificação.

Depois do almoço, foi a vez da turma de Nova Iorque. A coalizão de iniciativas de mídia alternativa formada pelos excelentes Streetsblog e Streetfilms aproveitou a conferência para lançar a Livable Streets, uma rede social de ativistas e cidadãos que constroem outras cidades possíveis.

E o dia ainda estava no meio. No verão, o sol em Portland brilha até as 10 da noite (em compensação, no inverno a cidade chega a ficar 3 meses com tempo nublado e algumas poucas horas de “dia”).

Depois das palestras e conversas, a “noite cultural” aconteceu no prédio da prefeitura. Isso mesmo: música, arte e vagas vivas nos jardins do palácio municipal.

A cerveja? Só dentro da prefeitura. Nos EUA, não é permitido beber em espaços públicos como ruas e parques. Mas não é muito é difícil encontrar gente bebendo, inclusive em parques e praças. Basta “esconder” latas e garrafas dentro do clássico saco de papel.

Mas a noite cultural na frente da prefeitura tinha atrações bem mais interessantes do que a boa cerveja Fat Tire. Do lado de dentro, a mostra de cartões postais organizada por Sara Stout.

Do lado de fora, uma vaga viva…

… a arte do curitibano Tiago DeJerk

… bicicletas…

e a arte das crianças de Portland.

Mais DeJerk.

Música e dança em pequenas bicicletas com as Sprockettes.

Menos vagas, mais arte.

Música, arte, transporte inteligente e convivência nos espaços públicos. Bem parecido com a prefeitura de São Paulo, não é mesmo?

As cidades e os rios

O rio de Portland é o Willammette. Logo depois de passar pela cidade, ele desagua no Columbia, um dos principais rios dos EUA.

Ao longo de Portland, parques e áreas como o Waterfront Park e a Eastbank Esplanade separam as pessoas do rio. Locais de convivência, não de passagem, cheios de gente em uma tarde de verão.

foto: ciclobr


Em São Paulo, no começo de junho, um grupo de ciclistas cavou um buraco no mar de cinza, barulho  e fumaça e e encontrou um rio no meio da metrópole.

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