(foto: Juliana Ferreira)
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(“Não se preocupe com as urnas, resgate as ruas”)
A imagem que ilustra este texto deveria ser do centro de São Paulo no último fim de semana, durante a Virada Cultural. Depois de muitas e belas fotos, uma falha na matrix mental fez com que a câmera fosse perdida no meio de tanta alegria. Isso significa que o blog vai ficar meio capenga de fotos de sampa por um tempinho. Uma pena, pois as fotos do centro ficaram lindas.
A tal Virada Cultural trouxe 24 horas de eventos culturais na cidade. Programação de primeira, bem diferente dos shows de 1o de maio e de outras festas “pão e circo” midiáticas, sindicais ou corporativas. Transporte público funcionando madrugada a dentro e eventos descentralizados em diversos cantos da capital.
Não foi registrado nenhum incidente, nenhum assalto, nenhuma briga, nenhum assédio. Tudo na mais santa paz. Mau-humor só dos policiais que tomavam conta da festa. Linda foi a cena de um bêbado fazendo um “samba-convite” ao guarda, que recusou e ainda ameaçou prender o alegre folião. Lindo foi o amanhecer no Anhangabaú. Lindo era andar pelo centro e ver gente alegre por todos os lados. Linda era a lua que banhava os foliões. Lindo foi o show das meninas do Comadre & Florzinha, perto das 8h da manhã de domingo. Lindo era ver todo tipo de gente, das mais diversas classes, cores e credos dançando junto, sem pagar nada por isso. Lindo foi o samba das 9h na Galeria Olido. Lindo foi voltar de bicicleta no domingo de manhã pelas ruas tranquilas da metrópole.
A festa é subversiva: a alegria assusta o status-quo e os reacionários de plantão. A polícia fica perdidinha ao lidar com perigosos sorrisos e ameaçadoras cantorias alegres. Tomara que o povo goste da novidade e resolva resgatar o espaço público. Chega da clausura dos valet-parks, bares da moda, vidros e condomínios fechados. Chega do exílio para a periferia. Viva a arte na rua, por toda a cidade.
A prefeitura anunciou que pretende repetir o evento, mas só no ano que vem, em maio. Mas tomara que o povo goste, e saia às ruas para dizer que a gente não quer só comida, a gente quer inteiro e não pela metade.
Na Inglaterra, um movimento interessante acontece há algum tempo: é o Relcaim The Streets (resgate as ruas), que promove festas e ocupações lúdicas das ruas e praças. No Brasil, vale visitar o integração sem posse e botar o bloco na rua.
(clique na imagem para ampliá-la)
De bicicleta ou a pé, percebemos muito mais a cidade ao redor. Nunca tinha reparado nesta favela no bairro de Campos Elíseos, ao lado da linha do trem. Ao fundo, ruinas de uma velha indústria. Gente abandonada, patrimônio arquitetônico esperando a demolição, transporte ferroviário sucateado.

Sexta-feira, véspera de feriado, final da tarde: milhares de veículos passam em fluxo contínuo de 30km/h nas seis pistas da Rubem Berta, parte do maior eixo viário de pistas expressas (sem semáforos) da cidade. A velocidade máxima exibida nas placas lembra ao motorista o sonho do comercial da TV: 80km/h.
De cima do viaduto, depois de tirar a foto encontro um ciclista que tinha passado por mim pouco antes. Na primeira ocasião, nos cumprimentamos ao reclamar de carros que obstruiam a faixa de pedestres. Em cima do viaduto, começamos a conversar sobre o caos motorizado, a bicicleta, profissões, vídeo…
Decido indicar este blog ao colega, falo do vídeo Sociedade do Automóvel, ele também trabalha com vídeo. Estava sem caneta, ele também. Ele tenta anotar o endereço no celular. Muito difícil escrever naquele teclado minúsculo.
Outro ciclista se aproxima, pergunto se ele estava com pressa e com a resposta negativa, peço uma caneta e um pedaço de papel. Ele vinha da Vila Olímpia para o Ipiranga e há quase 10 anos faz o percurso de bicicleta. “É muito mais tranquilo, não gasto nada, levo 40 minutos, devagarzinho, encontro gente no caminho, sempre tem uma conversa. Agora mesmo parei pra comer um doce”.
Passo o endereço do blog para os dois. Nos despedimos e eu saio pensando: coitados daqueles milhares de seres humanos lá embaixo, solitários, trancados dentro de suas máquinas sem poder sequer conversar com ninguém (a não ser pelo celular), sem surpresas no caminho, sem poder contemplar o belo e caótico fim de tarde da metrópole. Dirigir para trabalhar, trabalhar para dirigir. E se parar no caminho, tome buzina.

Vai ficar em São Paulo no feriado? Além de aproveitar com tranquilidade a cidade, sem a loucura dos dias de semana e a agressividade do trânsito, você pode conferir dois eventos no domingão (13).
Às 9h tem Passeio Ciclístico do Itaú no Ibirapuera, saindo do Obelisco.
Ainda no domingo, às 17h, rola mais uma Verdurada (veja cartaz acima) com shows e exibição do vídeo Sociedade do Automóvel.

(clique na imagem para ampliá-la)
Todo prefeito que assume o cargo em São Paulo promove uma operação tapa-buracos ou um grande programa de recapeamento de ruas logo no primeiro ano de mandato. José Serra não fez diferente e, segundo o jornal “O Estado de São Paulo” (01 de novembro), irá gastar R$50 milhões até o final do ano para renovar as pistas de rolagem de diversas ruas da capital.
Marta Suplicy priorizou as avenidas, mas deve ter gasto o mesmo dinheiro tapando os buracos causados pelo excesso de veículos, pelas obras mal-feitas e pelas maracutais que envolvem a pavimentação (geralmente o uso mateiras de baixa qualidade superfaturados).
É claro que a manutenção das ruas é importante para a cidade, afinal não são apenas os veículos particulares que circulam por lá, mas também os ônibus, bicicletas, táxis, caminhões.
O engraçado dessa história toda é que, por lei, a manutenção das ruas é de responsabilidade do poder público. Já a conservação das calçadas é responsabilidade do proprietário do terreno ou construção que fica na frente. Resultado: ruas que parecem tapetes e calçadas que lembram campos minados.
A reforma das pistas é feita de madrugada. Máquinas pesadas fazendo barulho na sua janela às 3 da manhã para não atrapalhar o trânsito. Agora tente você reformar a sua calçada depois das 10 da noite…
Sobre os R$50 milhões, era dinheiro mais do que sufiente para equipar boa parte dos estabelecimentos públicos com bicicletários e tirar a lei 13.995 do Grande Livro das Ficções Jurídicas Brasileiras. O projeto, que foi sancionado pelo prefeito em 10 de junho, ainda aguarda regulamentação do Executivo. O prazo para a regulamentação se esgotou em 10 de agosto, mas segundo fontes conhecedoras dos trâmites kafkanianos deste país, esta etapa pode levar até 10 anos, dependendo da (falta de) vontade do poder público.

(foto: David Henry/www.davidphenry.com)
This morning I woke up in a curfew;
(Nesta manhã acordei sob toque de recolher;)
O God, I was a prisoner, too – yeah!
(Oh Deus, eu era um prisioneiro também)
Could not recognize the faces standing over me;
(Não podia reconhecer os rostos à minha frente)
They were all dressed in uniforms of brutality.
(eles estavam vestidos em uniformes de brutalidade.)
How many rivers do we have to cross,
(Quantos rios a gente tem que cruzar)
Before we can talk to the boss?
(antes de conseguirmos falar com o chefe?)
All that we got, it seems we have lost;
(Tudo que conseguimos parece ter se perdido)
We must have really paid the cost.
(devíamos ter pago o preço)
That’s why we gonna be
(E é por isso que estaremos)
Burnin’ and a-lootin’ tonight;
(queimando e saqueando esta noite)
Say we gonna burn and loot
(Iremos queimar e saquear)
Burnin’ and a-lootin’ tonight;
(Queimando e saqueando esta noite;)
Burnin’ all pollution tonight;
(queimando toda a poluição esta noite;)
Burnin’ all illusion tonight.
(queimando toda a ilusão esta noite)
A arte geralmente diz muito mais sobre a realidade do que o telejornal da noite ou o jornalão da manhã. “Burnin´ and lootin´”, música de Bob Marley, foi usada na belíssima cena de abertura do filme “O Ódio (La Haine)”. Em 1995, o diretor Mathieu Kassovitz já destrinchava o cotidiano dos subúrbios de Paris com mais vigor do que a CNN, a Reuters ou as reprodutoras de conteúdo tupiniquins (salve raríssimas excessões). Filmaço, vale a pena procurar na locadora.
Spike Lee, em 1989, contava a história da difícil convivência nos subúrbios de Nova Iorque no também belíssimo “Faça a coisa certa“. Lars Von Trier foi mais fundo com o recente Manderlay, que estréia nos cinemas brasileiros nesta semana. Miséria americana, miséria francesa, miséria humana: parte indissociável do capitalismo.
O mais estarrecedor é a cobertura burra e sanguinária da mídia. Vale mais a imagem de um carro incendiado ou da tropa de choque descendo a borracha na multidão do que uma análise mais profunda dos fatos ou a busca das razões para tentar explicar o caos. “Vandalismo”, “violência” e “confronto” aparecem muito mais do que “desigualdade”, “racismo”, “exclusão”. Foi assim no massacre dos 500 anos, quando FHC e ACM desceram a borracha em índios, estudantes e cidadãos que protestavam contra a fanfarronada pra gringo ver em Porto Seguro. Foi assim em Seatle, Gênova e Praga durante os protestos altermundistas.
Foi assim também em Mar del Plata na última sexta-feira. A grande mídia reportou que os manifestantes argentinos tinham depredado e incendiado o comérico local em protesto contra a visita do terrorista Bush. Parecia que a padaria do seu Joaquim tinha sido vítima de uma horda de baderneiros. Uma análise um pouco menos rasa das imagens deixava claro os alvos dos incendiários: a Telefônica, joalherias, empresas de celulares e bancos, responsáveis simbólicos ou de fato pela miséria argentina dos anos 90, quando o traficante de armas Menem privatizou o que restava do país.
Em Paris, nos morros cariocas ou na periferia paulistana não é diferente: vale mais o escândalo policialesco que choca a audiência e desperta instintos de ódio, medo e xenofobia do que a busca pelas raízes ou, ao menos, a cobertura decente do que está acontecendo. Dizer que “manifestantes entraram em confronto com a polícia” ou que “vândalos incendiaram carros” como se anuncia a previsão do tempo ou os gols da rodada só alimenta a burrice generalizada. Como disse uma sábia amiga, talvez fosse melhor que a televisão deixasse de lado essa pretensão de mostrar “a verdade” nos telejornais e se dedicasse apenas à cultura e ao entretenimento.
Não defendo de forma alguma a violência, nem a justifico simplesmente pela miséria, por posições políticas, pelo racismo e pela xenofobia. No entanto, descartar a íntima ligação entre esses fatores e fazer das relações sociais complexas um espetáculo de sangue pelo sangue é um crime contra a inteligência e uma afronta aos miseráveis deste planeta. Talvez seja por isso também que os argelinos, marroquinos, tunisianos e cidadãos de outras ex-colônias francesas estejam queimando dezenas de carros a cada noite.
(foto: mari/CMI)
Em São Paulo, choveu pela segunda sexta-feira consecutiva e a Bicicletada programada para a última sexta-feira (04) não aconteceu.
As boas novas ficaram por conta de Curitiba, que realizou a sua primeira Bicicletada na hora do rush. Na última sexta-feira (04), cerca de 30 ciclistas pedalaram, panfletaram e contestaram a cultura do automóvel na capital paranaense.
Leia o relato e veja as fotos no CMI.

(arte: pedalero, sobre obra de Singer)
Por causa da chuva torrencial que caiu sobre São Paulo, a Bicicletada de outbro (prevista para o último dia 28) foi adiada para a próxima sexta-feira (04).
“1 veículo, 1 pessoa”: esse é o número que impera no trânsito paulistano. Cada motorista na sua cela móvel, ocupando cerca de 15 metros quadrados de espaço público, poluindo o ar, fazendo barulho e imobilizando a cidade.
Apenas 30% da população paulistana tem carro. A taxa de ocupação destes veículos é de 1,2 pessoas/automóvel. Boa parte dos deslocamentos feitos de carro poderiam ser feitos através do transporte público ou até das bicicletas, deixando as ruas livres para quem realmente precisa usar o carro e melhorando a vida de todos, inclusive de quem fica estressado no trânsito.
“1 veículo, 1 pessoa”: a bicicleta não polui o ar, não congestiona o trânsito e ainda humaniza a cidade. A bicicleta ocupa pelo menos 1/5 do espaço de um automóvel e provoca sensação de bem estar àqueles que a utilizam. A bicicleta é um veículo como outro qualquer e deve transitar com segurança e tranquilidade.
Por estas razões estaremos mais uma vez nas ruas na próxima sexta-feira (28), às 18h, com encontro marcado no finalzinho da Paulista (quase na Consolação). É a Bicicletada: sem carro, nas ruas! Pelo fim da imobilidade na cidade, pela convivência entre os seres humanos, pelo resgate do espaço público e pelos direitos de quem utiliza meio de transporte não-motorizado.
Veja o que aconteceu na última Bicicletada.
Na próxima sexta-feira (04), às 18h, no finalzinho da Paulista (quase na Consolação) acontece mais uma bicicletada em São Paulo. Por causa da chuva forte da semana passada, a ciclo-passeata paulistana foi adiada em uma semana. Também temos notícias de bicicletadas acontecendo em Curitiba e Florianópolis.
Coloquei dois panfletos em PDF para que os participantes possam xerocar e levar no dia da bicicletada. O primeiro é o mesmo da imagem acima e pode ser baixado aqui (atenção: 2,2mb). O outro, que fala sobre o espaço ocupado pelos automóveis nas ruas, pode ser visto aqui (64kb). (é necessário o Adobe Acrobat para visualizar os panfletos)