Basta de repressão policial a manifestações populares

22 de abril de 2000, município de Porto Seguro, Bahia.

Centenas de cidadãos vindos de todas as partes do país iniciavam uma marcha em direção à Santa Cruz de Cabrália. A caminhada pretendia encontrar representantes de comunidades indígenas que participavam de um encontro nacional. De lá, ativistas, militantes, indígenas, estudantes e cidadãos em geral pretendiam marchar de volta até Porto Seguro, onde aconteciam as festividades oficiais da comemoração dos 500 anos de descoberta (sic) do Brasil.

A campanha “Brasil: outros 500” mobilizou milhares de pessoas em todo o país ao longo do ano 2000. O nome era um contraponto à campanha oficial, “Brasil 500”, uma lembrança dos cinco séculos anos de massacres de comunidades indígenas, exploração de recursos naturais, escravidão e subserviência do país às metrópoles estrangeiras.

Em Porto Seguro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso confraternizava com o ex-governador Antônio Carlos Magalhães e empresários durante a festa “para gringo ver”.

As festividades oficiais foram amparadas por um esquema de segurança que incluiu helicópteros, forças militares e de inteligência em grande escala. Nos dias anteiores, ônibus de manifestantes haviam sido barrados na estrada de acesso a Porto Seguro sem que nenhuma explicação fosse dada.

O clima de terror, com policiais e soldados do exército por todos os lados, deixava claro o recado: as festividades oficiais, tocadas pelo governo Federal e pela Rede Globo (que havia instalado totens-relógios em todas as capitais do país), não aceitariam nenhuma dissonância.

Bem cedo naquele dia, a marcha seguia pelo acostamento da estrada NO SENTIDO OPOSTO  à festa oficial.

Pouco tempo depois, helicópteros começavam a sobrevoar a rodovia. Ônibus e viaturas da polícia cruzaram em alta velocidade os caminhantes. Centenas de homens da PM começaram a se posicionar no caminho.

Escudos e armas em punho, não levou nem cinco minutos para que as primeiras bombas fossem disparadas, sem que NENHUMA explicação tenha sido dada, sem que nenhuma negociação tenha sido tentanda, sem que nenhuma “afronta à ordem” ou crime tivesse sido cometido pelos manifestantes. Eles apenas caminhavam no sentido contrário à festa oficial.

Explosões, tiros, corre-corre, gás… O cenário que já havia se tornado tradicional na virada do milênio se repetia mais uma vez em Porto Seguro.

Além da abertura dos mercados e da privatização de estatais, a principal realização do governo FHC foi o sufocamento violento de todos os movimentos sociais, que viviam tempos de ebulição.

Os anos em torno da virada do milênio foram marcados por manifestações massivas do diversos setores da população. Milhares de pessoas saíam às ruas a cada chamado de ação contra o leilão de  privatização de uma empresa estatal, a favor da educação, contra a Alca, em defesa da educação…

A “Era FHC” foi, provavelmente, o momento histórico da curta vigência da democracia no país em que mais se utilizou as forças policiais e militares contra a população. Nenhum presidente eleito repudiou, ironizou, desqualificou e reprimiu tanto as manifestações populares quanto FHC.

Quase todas as manifestações terminavam com bombas, agressões, tiros, prisões e cacetadas. Quase todas as manifestações eram forradas de policiais sem identificação, agentes e provocadores infiltrados que atiravam algum objeto contra a polícia para justificar a “reação”, sempre desproporcional e brutal. Tudo sempre relatado pela mídia colonizada como “um confronto com a polícia”, uma explicação simplista para caracterizar qualquer tipo de manifestação como “baderna”.

Naquela manhã em Porto Seguro, quase 200 pessoas foram detidas pelas centenas de policiais. Depois de algumas horas “de molho”, foram levados à delegacia em três ônibus e liberados no meio da tarde sem nenhuma acusação ou processo. A missão dos “agentes da ordem” era apenas impedir o exercício do direito constitucional à manifestação.

Naquela tarde, indígenas que marchavam de Cabrália à Porto Seguro também foram recebidos com mais bombas e tiros, proibidos de participar do “petit comitè” armado por FHC, ACM, Globo e amigos.

A “festa” dos 500 anos, como dito acima, foi apenas mais um capítulo de um dos governos “democráticos” mais autoritários que este país já teve. A experiência de Porto Seguro foi, talvez, o auge da repressão, o massacre escancarado da liberdade de manifestação. A ação da polícia foi arbitrária e brutal, mas não foi única naquela virada de milênio.

foto: barraoaumento

Resolvi retirar as fotos e a história acima do armário depois de ler o relato da última manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus na capital. A sensação é de deja vu ao ler que a polícia agiu com brutalidade simplesmente para impedir que os manifestantes entrassem no terminal do Parque Dom Pedro.

A ação “preventiva” da polícia em um Estado Democrático não deve estar baseada no uso da violência desmedida contra cidadãos que não cometeram nenhum delito, mas que “poderiam cometer”. Isso é característica de estados totalitários. Infelizmente, a “Era FHC”, das bombas, tiros e policiais sem identificação reprimindo manifestações parece estar longe de acabar no Brasil.

Amanhã, quinta-feira (14/01), tem outro ato contra o aumento da tarifa. Concentração às 16h30 no Teatro Municipal, saída às 17h30.

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