Adeus, Munique…

Foram apenas quatro dias, mas as postagens sobre Munique renderam mais de uma semana. E não à toa: fiquei encantado. A cidade foi o exemplo mais perfeito de tudo aquilo que eu já tinha ouvido sobre a Alemanha, mas também mostrou-se exatamente o contrário de algumas lendas e mitos bastante comuns no Brasil.Do que eu já sabia: as bicicletas têm um espaço fantástico, são muito usadas em toda a cidade, por todas as pessoas. Ciclovias por todos os lados, semáforos específicos, paraciclos, estacionamentos, bicicletas de uso público… Enfim, o verdadeiro paraíso para quem acredita nas possibilidades do melhor veículo já inventado pela espécie humana.

O transporte público é impecável: metrô, bondes e ônibus atuam de maneira interligada, com tarifa única, pontualidade de horários, informação sobre itinerários, limpeza interna e faixas exclusivas para o tráfego dos coletivos.

Em São Paulo, a “cidade que não dorme” só existe para quem tem um carro. Quanto mais longe do centro, menos transporte público tem o paulistano. Mesmo na região central, a diversão na madrugada é só para 30% da população (e olhe lá). Circular em Munique é algo que pode ser feito nas 24 horas do dia, por qualquer pessoa.

Pedestres são valorizados ao extremo: áreas exclusivas na região central, calçadas largas por toda a cidade, semáforos específicos em cada esquina e, principalmente, respeito absoluto nas travessias. Para quem vem de São Paulo, é emocionante atravessar uma rua a qualquer hora do dia e não ser ameaçado.No começo a gente estranha, fica olhando para os dois lados da rua, meio descrente, e até agradece ao motorista que “deixou” a gente atravessar a rua. Em pouco tempo dá pra acosutmar. É tão normal, faz tanto sentido…

Aí vem a revolta, a tristeza de morar em uma cidade onde nem pintar faixas de pedestre as autoridades são capazes, quando muito educar (inclusive com punições) os motoristas para que respeitem a vida.

Aí vem o sentimento de impotência frente a tanta estupidez cotidiana nas ruas de São Paulo, de ver carros buzinando para pedestres nas faixas, de ver a popularização dos vidros escuros anti-humanos (que impedem a comunicação no trânsito e aumentam os riscos de mortes), de ver pedestres correndo amedrontados quando o semáforo fica vermelho, de ver que são raros os que exigem direitos e cumprem obrigações, de ver que a lei da selva é, na verdade, a lei do asfalto.

Do que eu não sabia a respeito dos alemães, ficou a grata surpresa de um povo bastante aberto, receptivo e alegre. A imagem do alemão carrancudo, fechado, que “se acha” é uma generalização estúpida, igual a dizer que brasileiro é vagabundo.Munique é uma cidade do mundo, por onde circulam pessoas de todas as partes, com uma qualidade de vida e um planejamento urbano de dar inveja a qualquer ser humano. É cosmopolita, viva, acolhedora.

É claro que tudo isso tem um preço (cobrado em Euros). Mas quanto do dinheiro público e privado de São Paulo não vai para o ralo, ou melhor, para debaixo para dentro dos tanques e bolsos de alguns poucos?Que a relação geopolítica de exploração entre o primeiro e o terceiro mundo ainda existe e é responsável por muitas de nossas mazelas, é fato. Mas será que não cabe a nós mesmos tomar as rédeas de nossa vida para nos livrarmos da exploração externa e interna?

Distribução de terra, de renda, de oportunidades, do espaço urbano, de diplomas universitários, dos livros, do acesso à cultura, das riquezas… A Alemanha já passou por tudo isso (com duas guerras devastadoras no meio do caminho). No Brasil, seguimos acreditando que construir um Brasil de todos (não apenas no slogan) é “coisa de comunista, anarquista ou baderneiro”, de gente que é contra a ordem e o progresso…Temos medo de enfrentar pra valer as reformas e revoluções pelas quais a Europa já passou há mais de dois séculos e criar outras novas transformações, típicas deste século ou da nossa realidade no sul global.

Somos covardes nas políticas e ações que visam proporcionar melhor qualidade de vida para todos e seguimos acreditando que enriquecimento de alguns faz bem pra todo mundo, que o crescimento da indústria automobilística é motivo de festa e que a queda do risco Brasil significa uma melhoria na vida de todos.

Acabar com o reacionarismo e com a passividade dos povos que habitam o Brasil talvez seja a única forma de teremos algo parecido com Munique em 20, 30 ou até 50 anos.

Enquanto isso não acontece, abençoada seja Munique! E até a próxima!

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