Poucos entre os presentes não eram estudantes. Será que o resto da população não está preocupada com o aumento acima da inflação que a prefeitura pretende impor ao transporte coletivo? Será que o povo já assumiu seu papel de escravo resignado da democracia midiática, que vota uma vez a cada dois anos e passa o resto do tempo xingando o político eleito? Onde estavam os tais “movimentos sociais”? E os tais “partidos políticos”?
Pouco depos das 18h, os cerca de 800 presentes decidiram sair em marcha pelas ruas centrais. Trajeto combinado em assembléia, festa, panfletagem e conversa nas ruas do centro.
Ao avistar os homens fardados, decidi me afastar. Em primeiro lugar não concordava com a obstrução do terminal, acreditava que a manifestação deveria seguir adiante sem prejudicar os resignados passageiros (que têm a liberdade de pagar tarifas abusivas por um serviço péssimo). Em segundo, minha experiência em manifestações dizia que em pouco tempo aconteceria o que de fato aconteceu.
Não houve conversa, não houve aviso, não houve sequer a tradicional ameaça da tropa enfileirada batendo com os cassetetes nos escudos e avançando para cima da massa. A PM simplesmente disparou aleatoriamente bombas de efeito moral, gás pimenta e lacrimogênio.
Quem já foi em alguma manifestação sabe que estas armas químicas de uso contra civis, apesar do nome, não têm nada de “efeito moral”: provocam náuseas, falta de ar, problemas respiratórios, os estilhaços tiram pedaços da pele e o barulho das explosões pode provocar a perda da audição.
Utilizar um megafone e dizer que todos devem desobstruir o espaço em tantos minutos seria o mais razoável. Dialogar com os manifestantes, perguntar suas razões e até pedir para que saíssem seria possível. Avançar com a tropa protegida por escudos para abrir espaço poderia até ser aceitável, deter os mais exaltados (sem a truculência habitual) também.
Jogar bombas ao léu no meio de um terminal de ônibus cheio é irresponsabilidade digna de regimes ditatoriais. É uma clara demonstração de que a polícia de São Paulo só conhece uma maneira de lidar com manifestações populares: suprimi-las, utilizando amplo arsenal bélico na repressão a rodo de quem está pela frente. Além de manter a ordem para os donos do Estado, desconta a raiva acumulada em pessoas desarmadas e indefesas.
Esta matéria da Folha de São Paulo foi mais além e criou uma teoria conspiratória para explicar a “tática” dos manifestantes. O trecho final da matéria demonstra o quilate da má intenção jornalística:
Em vez disso, muito jovem vestido de preto, camisetas da banda Ramones, correntes na roupa, piercings, punks. Também tinha “zapatistas brasileiros”, que desfilaram com bandeiras vermelhas e pretas, e camisetas enroladas no rosto, para parecer o Subcomandante Marcos, líder do movimento mexicano. “Kassab
, mas que vergonha, essa passagem tá mais cara que a maconha”, protestava um grupinho.
Ah, também tinha os palhaços do “Palhaços pelo Passe Livre”, que defendem a vida sem catracas e a passagem gratuita para todos.”
Muito mais condizente com a realidade foi a cobertura do Estadão. Alguns trechos da reportagem de Fabiano Rampazzo (para assinantes):
“Ontem à noite, após o confronto, a PM declarou que ‘apenas reagiu ao ataque de estudantes mascarados com toucas ninjas, que, com coquetéis molotov, pedaços de madeira e barras de ferro tentavam manter fechados os portões do terminal.’
A reportagem acompanhou a manifestação e o bloqueio ao terminal, mas não viu nem coquetéis molotov nem ‘toucas ninjas’. “
(…)
“Um rapaz deitado foi espancado com golpes de cassetete por quatro policiais ao mesmo tempo. Desesperadas, pessoas que estavam no terminal e nada tinham a ver com o protesto dos jovens gritavam e buscavam algum lugar para se proteger. ‘Eles querem matar todo mundo?’, disse, chorando, a vendedora Ana Lins, que aguardava o ônibus.
A tropa saiu do terminal e seguiu os estudantes, lançando mais bombas. Pedestres, motoristas e lojistas foram atingidos por gás pimenta.”
E o repórter ainda faz um desabafo em outra nota publicada na mesma edição:
“Foi a segunda bomba lançada pela PM que me acertou. O estilhaço que me feriu o ombro serviu, contudo, apenas de antepasto. Mais tarde, na Sé, a um centímetro de meu rosto, um PM, me confundindo com um estudante, disparou um jato de spray de gás pimenta, que me deixou queimando por duas horas. A pergunta é: se eu fosse um estudante, isso seria válido?”
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