No Brasil, notícia boa geralmente é dada em tempo verbal futuro e incerto.
O Estado de São Paulo (01.fev, p. C8) noticiou que a prefeitura irá lançar um concurso para premiar projetos que solucionem o entrave urbano chamado Minhocão (a via expressa que, em 1971, sepultou a vida no centro de São Paulo).
O nome utilizado para a premiação de R$50 mil reais é bastante simbólico: prefeito Prestes Maia. Simbólico porque o homenageado foi responsável pelo primeiro “plano de avenidas” da cidade no início do século XX. Simbólico também porque o prêmio Prestes Maia foi entregue pela primeira vez em 1998, durante a gestão de Celso Pitta, discípulo de Maluf, que é pai das duas aberrações: o Minhocão e o próprio Pitta.
A premiação de 1998 também foi simbólica: os arquitetos embolsaram o prêmio, o projeto nunca saiu do papel e a zona leste continua enchendo em dia de chuva.
(clique na imagem para ampliá-la ou veja o local no Google Earth: 23°51’1.57″S, 46°41’47.41″W)
A Folha de São Paulo informou que o prefeito José Serra “planeja entregar” duas ciclovias ainda este ano. Uma está sendo construída em algum lugar perto do ponto amarelo, no bairro de Parelheiros, extremo sul da capital, a 31km em linha reta dos Jardins (o outro ponto amarelo lá no fundo). A outra, medindo dois simbólicos quilômetros, deverá ser construída na Cidade Tiradentes, extremo leste da cidade, fronteira com Ferraz de Vasconcelos.
Se o futuro indeterminado virar presente concreto, teremos longínquos 7,8km de pistas, mais que o dobro dos atuais 3,1km (!!!) existentes. A atitude é simbólica, tanto no tamanho das pistas quanto na escolha dos bairros na periferia. Resta saber quanto deste simbolismo é vontade e quanto é propaganda que vira notícia.
Por um lado, a presença do poder público nos esquecidos barirros de Parelheiros e Cidade Tiradentes é louvável. Por outro, me recordo de um texto de Alfredo Sirkis (secretário do Meio Ambiente do Rio) no livro “Ciclovias cariocas“. O ambientalista conta que a escolha da orla da zona sul para as primeiras ciclovias foi proposital.
O raciocínio é que, ao realizar as obras no berço da classe média, retirando inclusive vagas de automóveis à beira-mar, a prefeitura estaria colocando a bicicleta na “pauta” da sociedade, legitimando seu uso como meio de transporte.
A lógica de começar pelas áreas ricas parte do princípio (infelizmente verdadeiro) que só é notícia e só vira assunto de interesse público o que acontece com a classe média “formadora de opinião”. Dez mortos no Capão Redondo viram, no máximo, uma notinha no caderno policial; um morto nos Jardins é comoção nacional, pedidos de pena de morte e clamores por “segurança”.
O grande problema é que as ciclovias cariocas, ainda que tenham estimulado o uso da bicicleta, foram pouco além das áreas nobres e são utilizadas principalmente para o lazer. Moradores da zona norte, por exemplo, continuam vítimas da agressividade do trânsito motorizado se optarem pela bicicleta para chegar ao centro da cidade.
Se o Rio de Janeiro, cidade pequena e plana, não integrar suas diversas regiões em uma verdadeira rede cicloviária, teremos a consolidação de uma política elitista e excludente. Se a ação paulistana não acontecer também nas áreas nobres (onde as famílias têm 5 ou 6 carros e os utilizam para ir até a padaria), pouco será alterado no quadro de imobilidade e caos generalizado da capital.
A retirada dos carros da orla para dar lugar às ciclovias no Rio de Janeiro poderia servir de exemplo para uma atitude corajosa em São Paulo, cidade com alta permissividade de estacionamento: diversas ruas poderiam ter as vagas junto ao meio-fio transformadas em ciclovias, ciclofaixas, calçadas maiores ou corredores de ônibus.
Imagine a rua Augusta ou a Estados Unidos sem nenhum carro estacionado e com uma bela ciclovia na lateral? Ou a Pamplona com largas calçadas? Ou então imagine se a praça Charles Miller voltasse a ser uma praça e não um amplo estacionamento para os alunos da FAAP?
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