Ciclofaixa à paulistana

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No próximo domingo a Cidade de São Paulo inaugura suas primeiras ciclofaixas oficiais. Serão 5km de faixas para bicicletas ligando três parques da capital (Ibirapuera, do Povo e das Bicicletas). A ligação entre parques é um projeto experimental da Secretaria dos Esportes, previsto na lei 10.908, de 1990 (regulamentada pelo decreto 34.855, de 1995).

Nesta primeira etapa de testes, que deve durar 2 meses, a Ciclofaixa de Lazer funcionará apenas aos domingos, das 7h às 12h. A inauguração acontece neste domingo (30), às 10h30, no Parque das Bicicletas.

O projeto é bem-vindo. Deverá estimular o uso das bicicletas nas ruas, ainda que em situação “protegida”  e bastante distante da realidade cotidiana dos ciclistas (além das faixas pintadas no chão, cones de proteção, agentes da CET e redução de velocidade motorizada para 40km/h fiscalizada por radares devem garantir a segurança dos usuários).

Fazer com que o motorista se “acostume” a compartilhar a rua é, sem dúvida, uma das tarefas mais importantes para qualquer cidade que deseja superar a sociedade do automóvel. Estimular o uso das bicicletas aos domingos também pode servir para multiplicar os potenciais usuários cotidianos de bicicletas.

A inspiração para o projeto paulistano, como conta o Secretário Walter Feldman em seu blog, é o projeto “Ciclovía”, que acontece aos domingos em Bogotá (Colômbia), cidade que dedicou especial atenção à mobilidade e ao resgate do espaço público durante as gestões dos prefeitos Antanas Mockus e Enrique Peñalosa.

Em 2008, a ideia de fazer a ligação entre parques foi exportada para os EUA pelo irmão de Enrique, Gil Peñalosa. Na terra do Tio Sam, foi apelidada de “Sunday Parkways” (caminhos entre parques aos domingos) e virou a coqueluche do verão em cidades como Portland, Nova Iorque e São Francisco.

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ruas totalmente fechadas durante o Sunday Parkways em Portland, junho de 2008

Duas diferenças fundamentais marcam a “Ciclovía” de Bogotá e os “Sundays Parkways” estadunidenses do projeto da Ciclofaixa de Lazer paulistana.

A primeira é que na cidade colombiana e nas cidades dos EUA, o fechamento das ruas para os veículos motorizados é total. Em São Paulo, apenas uma faixa das vias será destinada às bicicletas, que compartilharão espaço com veículos motorizados. São Paulo já teve algo parecido com o projeto colombiano há alguns anos, quando vias como Paulista e Sumaré eram totalmente fechadas ao fluxo motorizado para dar lugar ao esporte, lazer e convivência entre as pessoas.

No projeto paulistano, a faixa escolhida para o tráfego de bicicletas nas manhãs de domingo foi a da esquerda. Segundo técnicos envolvidos no projeto, a escolha das faixas à direita (de tráfego mais lento) traria complicações já que a maior parte das conversões dos veículos motorizados são feitas à direita (e não à esquerda). Perdeu-se aí uma grande oportunidade pedagógica de reforçar a preferência do ciclista na via: carros que viram à direita DEVEM dar preferência aos ciclistas que seguem reto. Essa é a prática em todas as cidades que consideram a bicicleta parte do trânsito.

Os “Sunday Parkways” de Portland também tinham alguns poucos cruzamentos com  veículos motorizados. Nestes locais, agentes de trânsito faziam as vezes de semáforos para organizar o fluxo, dando preferência às bicicletas quando estas estavam em número razoável e liberando a passagem dos motorizados quando eram poucos os ciclistas atravessando a via.

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ciclofaixa paulistana / foto: vá de bike

Mas a opção foi por uma via compartilhada com os motores com a finalidade de proporcionar lazer seguro à todas as idades sem “atrapalhar o trânsito”. A lógica de agradar a gregos e troianos não é de todo ruim na cidade do automóvel: dizem que faz parte da estratégia de convencimento da opinião pública e serve para ganhar espaço para as magrelas no inconsciente coletivo.

Resta apenas um  complicador: a faixa da esquerda em avenidas é a de mais alta velocidade e jamais seria o local indicado para uma faixa permanente (ainda que o Código de Trânsito Brasileiro garanta o direito das bicicletas trafegarem nos dois bordos da pista).

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ciclofaixa (bike lane) permanente em São Francisco

A segunda e mais fundamental diferença entre o projeto paulistano e o que Gil Peñalosa exportou para os EUA  é que todas as quatro cidades citadas (Bogotá, Portland, São Francisco e Nova Iorque) já possuíam uma estrutura cicloviária minimamente desenvolvida e já tinham inserido a bicicleta em seus departamentos de transporte antes de estabelecer as rotas de lazer aos domingos.

São Paulo, talvez pelo espírito festivo que marca este país, talvez pela dificuldade de tirar do papel qualquer coisa que não seja túnel, ponte ou viaduto, começou pelo lazer antes de ter incorporado de fato a bicicleta ao planejamento urbano e com pouco mais de uma dezena de quilômetros de infra-estrutura cicloviária para o transporte na cidade.

Talvez a afetividade e a cordialidade descritas por Sérgio Buarque de Hollanda como características deste povo tragam algum alento e esperança aos mais céticos e racionais. Quem sabe o “esquindô, esquindô lelê” de domingo abra portas e janelas nos corações e mentes dos carrocratas paulistanos para, enfim, termos algo realmente concreto em termos de política pública de mobilidade urbana para além do automóvel.

Por enquanto, fica o convite: prestigie a Ciclofaixa de Lazer. Ocupar os espaços que se abrem é uma importante forma de construir outras cidades possíveis.

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