Uma lua a menos

Em breve, mais um espaço de céu vai desaparecer em São Paulo.

A todo vapor, a especulação imobiliária ajuda a economia a crescer e ergue mais uma casa de urubus na cidade.

Vizinho ao MASP, o Paulista Corporate , cujo nome é tão original e brasileiro quanto sua arquitetura, vai substituir o estacionamento que funcionava no local. Ciclo natural da terra em São Paulo.

O prédio chegou a ser contestado por interferir nos arredores do museu, que é patrimônio histórico. Breve contratempo até que o dinheiro e a lei se entendessem e o progresso continuasse a construir coisas (não tão) belas.

Até o final do verão, a Lua faz as suas últimas aparições para o pedestre que atravessa a rua Peixoto Gomide até o parque Trianon. Aproveite!

Escritaterapia

arte: cabelo / igual você

14 semanas, pouco mais de 3 meses ou aproximadamente 100 dias. Essa é a quantidade de tempo desde a minha primeira manhã em Buenos Aires, quando uma tentativa de assalto me derrubou no chão e me deu de presente uma cirurgia, sete pinos e uma placa de titânio na perna.

Desde então, pouco ou quase nada foi escrito aqui nesse blog, que já vivia momentos de inércia pouco condizentes com a agitação de assuntos e acontecimentos relacionados aos temas aqui abordados.

A falta de atualizações não foi por desleixo ou falta de tempo. Simplesmente não consegui encontrar inspiração, vontade e disciplina para escrever. Não consegui superar o baque psicológico dos meses de molho, colar os cacos e aproveitar o tempo livre para mergulhos mais profundos. Demorei até para perceber que estava vivendo sobre algum baque psicológico, gastando energia com alguns tropeços na adaptação à “nova” vida.

“Tenha força e paciência. Porque os conflitos mais difíceis de serem vencidos são aqueles que estão dentro de nós”, lembro desta frase, dita mais ou menos assim por um amigo logo que soube do acontecido.

De fato, lutar por transformações no “mundo lá fora” é a parte mais excitante e fácil da batalha chamada vida. Mesmo com as redundantes frustrações e contra-golpes de uma sociedade crônicamente inviável, quem mantém a coerência com seus princípios (ou mesmo quem não se preocupa com eles) consegue ficar tranquilo a cada passo, apoiando-se na “zona de conforto” formada pela própria vida e pelas vidas com quem estabelecemos relações de afeto.

Difícil mesmo é enxergar as próprias contradições, detectar e corrigir erros, aceitar críticas, lidar com os conflitos e angústias que estão dentro de nós e, principalmente, aceitar as frustrações mais íntimas, entendendo que o mundo e as pessoas não são feitos à imagem e semelhança dos nossos desejos.

Em julho de 2010, eu tinha chegado à minha melhor condição física em tempos de vida adulta. Usando a bicicleta diariamente há mais de cinco anos, me sentia “dono” da minha cidade, tendo meu corpo como meio de comunicação entre eu e ela. Havia parado de fumar havia dois meses (depois de 10 anos de vício). Subia montanhas e enfrentava distâncias sem esforço, me relacionando com cada ponto do horizonte urbano como um “apêndice” da minha existência, utilizando-os como fonte de inspiração e motivo para ação.

Metonímia: não há como culpar a fratura, mas junto com a perna, outras coisas foram se quebrando.

A primeira e mais importante para o trabalho neste blog foi, sem dúvida, a impossibilidade de viver a cidade “ao vivo”. Contaminado por Jane Jacobs, senti que escrever sobre a cidade sem vivê-la é o mesmo que planejar sistemas de transporte público andando de carro.

Há duas semanas, “muletando” pela avenida Paulista, cruzei com os ridículos Segways que a PM paulistana exibe em alta velocidade nas calçadas por onde circulam 1,2 milhão de pessoas/dia. Senti pela primeira vez em muito tempo vontade de escrever. Entendi que, para mim, nada substitui o contato direto e não-mediado com a realidade. É ela que me inspira e movimenta.

Algumas relações também se quebraram. Demorei algum tempo para aceitar a solidão inexorável de uma situação como essa: ninguém consegue “estar no seu lugar”, entendendo e resolvendo os seus dramas, angústias e crises, sejam elas práticas (carregar um prato de comida) ou conceituais (e agora, José?). A batalha interna é sua, de mais ninguém. Explodi algumas vezes com pessoas bastante próximas e entrei em parafusos que deixaram farpas para vários lados e colhi com tristeza o resultado do destempero.

Também quebrei a trajetória de bem estar físico e mental trazida pela atividade cotidiana, mergulhando em uma escalada de sedentarismo que já me fez perder cinco quilos (segundo a fisioterapeuta, em músculos e ossos) ao mesmo tempo que (finalmente, diriam alguns amigos) uma “barriguinha” começa a aparecer. Bobagem dizer que eu voltei a fumar, já que a grande maldade do cigarro é ser um excelente companheiro para todos os momentos, especialmente para aqueles que demoram pra passar.

Além do blog, também assisti, inerte, tantos projetos e iniciativas de transformação da sociedade passarem, sem que eu pudesse ou tivesse vontade de intervir e participar, seja por dificuldades de locomoção ou pela letargia da rotina confinada, contra a qual (assumo) não consegui reagir durante um bom tempo.

arte: cc cabelo /igual você

O saldo não é nada animador. A vida correu lá fora enquanto os passos eram bem curtos e o tempo bem demorado aqui dentro. Seis meses (tempo estimado para a recuperação total) é pouco tempo se comparado aos meus 31 anos de vida, mas é muito se comparado às expectativas e caminhos que eu esperava para estes seis meses de 2010. Uma pena, mas “ces’t la vie” e ela não é cor-de-rosa.

Ainda busco sentido para esse acontecimento. Ou melhor, busco que o sentido desse acontecimento se assente dentro da minha vida. Consigo encontrar alguns bons aprendizados e “lições”. Consigo ver algumas “coincidências” e “acasos”, mas não me perco mais buscando encaixa-los em algo que faça um sentido absoluto. Não é bom ficar remoendo a sensação de que é possível voltar no tempo e mudar um centímetro (ou alguns metros) de atitude para que nada tivesse acontecido. Isso só existe no cinema.

Dizem que os 30 anos marcam uma virada de equilíbrio na vida, que é nesta fase que consolidamos realmente quem somos e o que fazemos. Se a minha síndrome de Peter Pan nômade, disperso e ultra-exigente não foi inteiramente aplacada, talvez o “choque de realidade” desta experiência me ajude no caminho em direção ao tal equilíbrio.

Pelo menos simbolicamente já consegui saciar de maneira divertida a busca por algum sentido de almanaque: meus dois grandes “acidentes” até então haviam sido do lado direito do corpo: um tiro no pescoço (que me deixou parcialmente surdo do ouvido direito) e uma mão quebrada em uma briga de irmãos, pouco antes de sair da casa dos meus pais, há seis anos. Desta vez, o lado afetado foi o esquerdo.

Sigo pelas próximas duas semanas me locomovendo com duas muletas. Depois, mais duas semanas com uma muleta apenas. As caminhadas já estão bem mais longas e atualmente já consigo utilizar transporte coletivo, escapando um pouco da vida de passageiro de taxi ou carona. Bicicleta? Por enquanto, começando a pedalar uma ergométrica sem carga na fisioterpia…

A retomada psicológica ainda não veio, a espera continua bem cansativa e entediante para estimular algo nesse sentido. Ao contrário do osso, que só precisa de tempo e alimento, cicatrizar a alma também depende de vontade e iniciativa. Pequenos estímulos: a perspectiva de encarar a cidade como um pedestre manco é bastante animadora e a noção de que depois do fundo do poço não existe mais nada faz a gente voltar pra cima. Os “sentidos da vida” descobertos nessa trajetória, ainda que não totalmente compreendidos, abrem novas perspectivas e despertam a vontade (até porque não existe outro jeito) de descobrir estes caminhos.

O apocalipse motorizado continua, ainda que o momento histórico seja bastante diferente daquele que motivou a criação do blog em 2005. Vivemos em tempos de greenwashing, onde o verde é o novo dourado. Por um lado, o marketing verde oferece mais do mesmo com nova embalagem, obscurecendo a razão, dificultando a crítica e a ação realmente transformadora. Por outro lado, é visível o amadurecimento da sociedade em algumas questões tratadas neste blog, resultando em uma profusão de informações que não existia antes, na ampliação do debate e até no próprio “marketing verde”.

Da mesma forma que o tempo de uma vida é bem maior que o tempo de recuperação de uma perna quebrada, o tempo histórico é bem maior do que o tempo de uma expectativa. As mudanças são lentas e a reação a elas, no Brasil, é sempre muito forte.

Na era em que até carros são chamados de “verdes” sem que haja alarde, escrevo esse texto como terapia, manifestando o desejo de que o blog resgate o seu sentido de inspiração, articulação e registro histórico, encontrando o seu novo lugar em tempos que já não são os mesmos.

Sei que isso não depende apenas do tempo, mas sim de vontade e iniciativa. Peço desculpas aos leitores porque as duas características andaram em baixa nos últimos meses. Espero que o exercício de voltar a escrever aqui, a vontade de avançar em outros projetos e a recuperação lenta e constante ajudem o blog e seu autor a encontrar um lugar mais tranquilo neste surpreendente segundo semestre de 2010.

Tempo e espaço em outros tempos

La masa es una fiesta

arte do segundo aniversário da Massa Crítica de Buenos Aires

Dia Mundial Sem Carro na Ciclocidade

arte: cabelo

Programação da Ciclocidade para o 22 de setembro

Corte o mal pela raiz

arte: pedalo pelado

postagens anteriores sobre o Dia Mundial Sem Carro
Em 2010:
ArteMobilidade
Bicicletada
CicloBR
Ciclocidade
Coletivo Dia Mundial Sem Carro

Dia mundial das flores

arte: pedalo pelado

postagens anteriores sobre o Dia Mundial Sem Carro
Em 2010:
ArteMobilidade
Bicicletada
CicloBR
Ciclocidade
Coletivo Dia Mundial Sem Carro

Evite o sofrimento: não seja um idiota

Campanha da comissão de acidentes de trânsito de Victoria, Australia.

O último gênio antes da era da pasteurização enlatada

Chico Science morreu em um Fiat.

Tempo

agosto, 2006