Pós-moderno -> Alter-moderno

foto: David Falconer (1974)

O chamado pensamento pós-moderno trouxe a rejeição do absoluto, consolidando-se como um movimento de compreensão mais relativa e fluida da realidade. O pós-modernismo considera que o entendimento muda através das culturas, raças e tradições. Assim, a mente pós-moderna rejeitou a certeza da verdade fundamental e, como uma pedra caindo sobre a água, balançou o reflexo da realidade na literatura, filosofia e arte.

A era pós-moderna começou com a crise do petróleo em 1973 – o evento que fez o mundo inteiro perceber, pela primeira vez, que as reservas de combustíveis fósseis estavam acabando e que a era da abundância de energia já havia terminado. O capitalismo foi então forçado a se desconectar dos recursos naturais e reorientar suas bases para a inovação tecnológica e para a feitiçaria financeira.

arte: Caspar David Friedrich (1918)

Eu recebi um curso intensivo de pensamento pós-moderno durante o primeiro semestre no Swarthmore College. A professora começou a aula estimulando a rejeição do pensamento binário: dividiu a lousa em duas partes com uma linha vertical e pediu que enumerássemos dualismos. Depois de dar alguns exemplos – masculino / feminino, branco / preto – fomos convidados a entrar no jogo: rico / pobre, esperto / burro, humano / animal, legal / chato, magro / gordo… O jogo seguiu até a lousa ficar cheia. Então a nossa professora de literatura comparada fez uma pausa e perguntou se notávamos algo estranho na lista.

A resposta foi fácil: do lado esquerdo da lousa estavam as coisas “boas” – rico, esperto, humano, legal, magro, branco – e do lado direito as suas contra-partes, os termos renegados. Em um instante, nossa classe engoliu um preceito essencial da filosofia pós-moderna: o pensamento Ocidental dividiu o mundo em uma série de oposições binárias que privilegiam um lado em detrimento do outro. As implicações políticas da lição eram claras: a opressão pode ser rastreada através da maneira que pensamos e a esperança de liberdade resistiria em escapar do pensamento dualista.

O projeto pós-moderno de superação da lógica dualista, entretanto, foi mais difícil na prática do que aparentava em teoria.

arte: Barbar Kruger (1987)

Em primeiro lugar, não podemos apenas virar de cabeça para baixo os termos e privilegiar aqueles que, até o momento, eram diminuídos – isso simplesmente seria uma reprodução da lógica binária ao contrário.

A questão não é qual o termo privilegiado, mas sim a falsa crença de que a existência pode ser dividida em duas partes distintas e competitivas. Então a tarefa do ativista pós-moderno foi essencialmente a de embaçar e problematizar a ordem para destruir o pensamento dualista. E isso foi feito em nome de uma suposta libertação política.

Sob as luzes dos traumas da modernidade, período em que milhões de humanos se tornaram escravos por estarem do lado “errado” da lousa, o projeto de desconstruir o dualismo deveria ter sido um avanço. A desconstrução das categorias binárias – apontar que um termo nasce em oposição ao outro – poderia efetivamente ter impedido o eugenismo pseudo-científico dos Nazistas. No entanto, o grande problema da abordagem pós-moderna é que ela surgiu muito tarde.

arte: Jonathan Borofsky (1987)

O pensamento pós-moderno poderia ter sido capaz de impedir o genocídio da II Guerra Mundial. No entanto, no momento em que foi popularizado na academia e filtrado pela sociedade, a opressão não era mais caracterizada pela criação de opostos, mas sim pelo aumento da hibridização. Essa é a ironia da filosofia contemporânea: o que consideramos uma ferramenta de resistência se transformou no martelo de nossa opressão. E mais: ao rejeitarmos a lógica dualista, já não estamos mais desafiando o status quo… Nós estamos colaborando com a sua manutenção.

Considere o destino torto do manifesto “Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia”, de Gilles Deleuze e Felix Guatarri, texto considerado revolucionário por apresentar noções de fluidez, multiplicidade e hibridez e que embasou táticas de resistência anticapitalista. O livro serviu como manual para ativistas de esquerda, anarquistas e artistas desde a sua publicação na França, em 1980. Michel Foucault, o arquétipo do filósofo esquerdista francês engajado, foi mais longe ao declarar que “talvez um dia este século seja conhecido como ‘deleuziano’”, professando a vitória inevitável da luta anticapitalista do Maio de 68 francês.

De acordo com Slavoj Žižek no capítulo final de seu livro “Orgãos sem corpos: sobre Deleuze e suas consequências”, os melhores exemplares da filosofia deleuziana não são os anarquistas, mas sim os capitalistas tardios. “O pensamento de Foucault, Deleuze e Guattari, filósofos de ponta da resistência, que tiveram posições marginais atravessadas pelas redes de poder hegemônicas, acaba representando a ideologia das novas classes dominantes”. Para  Žižek, a falta de compreensão de Deleuze como um filósofo da resistência levou à situação em que os maiores teóricos anti-globalização estão usando praticamente a mesma retórica que os globalizantes.

foto: adbusters

Destacando Naomi Klein, Žižek continua: “Então quando Naomi Klein escreve que ‘a economia neoliberal é caracterizada em todos os níveis pela centralização, fusões e homogeneização’ e que isso é ‘uma guerra contra a diversidade’, ela não estaria colocando o foco em uma figura do capitalismo que tem os dias contados? Naomi Klein, ao afirmar isso, não seria aplaudida pelos capitalistas contemporâneos? A última moda da gestão corporativa não é exatamente ‘diversificar, decentralizar o poder, tentar mobilizar a criatividade local e a auto-organização?’. Não é a anti-centralização o principal motor do “novo” capitalismo digitalizado?”

O significado da crítica pungente de Žižek sobre Klein recai, na verdade, sobre uma linhagem inteira de teorias esquerdistas, que vão das multiplicidades deleuzianas até a multidão de Negri e Hardt. E como até agora não houve resposta à crítica de Žižek, não é difícil duvidar que continuamos a usar táticas pós-modernas. Será que enquanto rompíamos limites e cruzávamos fronteiras, o consumismo não acelerou sua expansão global pegando carona nos nossos esforços de borrar as identidades?

arte: adbusters

E agora, quando entramos em uma nova era da humanidade, onde a pós-modernidade escorrega na altermodernidade, descobrimos que os binários que rejeitamos não estavam apenas sendo obscurecidos, mas sim entrando em colapso. Hoje parece impossível dizer com certeza o que é real ou virtual, humano ou animal, orgânico ou geneticamente modificado.

Alguns querem ressuscitar com nostalgia a noção falida do projeto anti-moderno de destruição das distinções. Enquanto o coro (composto de cyberpunks e ativistas agrupados por capitalistas e tecnocratas) se alegra com a impossibilidade de distinguir online e offline, orgânico e sintético, homem e máquina, a mais crucial distinção de todas – a que separa resistência de cumplicidade – também entra em colapso. A menos que encontremos uma nova forma de criticar o sistema sem fortalece-lo, estaremos perdidos.

É preciso ter coragem para insistir que as diferenças importam sim – como a diferença de camarada e consumidor, humano e glutão, ou entre bem-viver e consumismo. Mesmo sem retornar ao projeto genocida da modernidade, é possível construir um novo caminho que se fortaleça com base na diferença essencial entre saúde de espírito e ganância material.

* tradução livre de texto de Micah White, publicado na edição 88 da revista Adbusters

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