Um clássico da carrocracia

A notícia abaixo foi publicada em 10/08 no blog do Mílton Jung (o site não permite link direto para as postagens, portanto segue o texto na íntegra):

“Comércio quer estacionamento livre na Augusta

Os clientes sumiram das lojas da Rua Augusta, neste fim de semana, e não foi o frio nem a chuva que os espantaram de lá. De acordo com comerciantes, a proibição do estacionamento na rua dificultou o acesso dos consumidores. A coordenadora da Sammorc, ONG que atua em defesa dos moradores lojistas da região, Célia Marcondes disse que bastou uma caminhada entre a Alameda Santos e a Oscar Freire para ser parada inúmeras vezes por comerciantes que se sentem prejudicados com a medida.

“Para surpresa, moradores das Ruas Padre João Manoel e Haddock Lobo não suportam mais o congestionamento dos automóveis tentando parar nestas ruas, nas quais o estacionamento ainda é permitido”, disse Célia. Os estacionamentos particulares já se aproveitam da situação e elevaram os preços.

A Sammorc decidiu encaminhar o pedido a prefeitura para que haja a liberação do estacionamento da Rua Augusta, imediatamente. “Temos de lembrar que a Augusta, aos sábados, não é um local especial de compras, passeio, restaurantes, etc., e não um corredor para automóveis”.

Um abaixo assinado será feito pelos comerciantes e moradores das redondezas da Rua Augusta.”

Não existe exemplo mais clássico de carrocracia: ao primeiro sinal de restrição aos automóveis, a “sociedade” se mobiliza para defender o “direito” da minoria de poluir, fazer barulho e ocupar espaço público com propriedades privadas.

A restrição de estacionamento em vigor nas ruas dos Jardins é parte do “pacotão do trânsito” da prefeitura, que tem como expoente midiático a inócua proibição de caminhões e como objetivo maior a melhora do fluxo de carros.

A proibição vale apenas durante o dia (das 7h às 22h). Ou seja, os carros estacionados não serão substituidos por calçadas largas, nem tampouco darão lugar a ciclofaixas, ciclovias ou corredores de ônibus.

Os carros foram proibidos de estacionar em algumas ruas dos Jardins apenas para que mais carros consigam passar pelo local.

Mesmo assim, o raciocínio curto e mesquinho não permite enxergar que o estacionamento em via pública não é um direito dos motoristas, mas sim expropriação de espaço coletivo.

A lógica é simples e capitalista: se você tem um carro, você deve pagar por ele e por todos os gastos conexos.

A rua Augusta é servida por uma farta rede de transporte coletivo. Tem estações de metrô bem perto e dezenas de linhas de ônibus. Ou seja, não existe desculpa nem explicação para a queixa.

O que o raciocínio curto do capitalismo terceiromundista não consegue enxergar é que o comércio de rua não precisa de carros estacionados na porta de cada loja, mas sim de calçadas largas e agradáveis, de faixas de pedestres pintadas no chão, de bancos para a contemplação e descanso e de bicicletários para que os veículos inteligentes possam estacionar.

Em Nova Iorque, onde uma utopia foi concretizada no último sábado com a abertura de 11 quilômetros de ruas a pedestres e ciclistas, a descoberta de que o comércio de rua depende de gente na rua  – e não de carros estacionados – começa a ser percebida.

Quem sabe o próximo abaixo-assinado dos comerciantes da Augusta passe a pedir a proibição definitiva do estacionamento de carros, o alargamento e a conservação das estretitas calçadas por onde passam seus clientes, a instalação de bicicletários e bancos, o plantio de árvores e a pintura de ciclofaixas.

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