Virada Cultural – lado B

Assim como Eduardo, um menino de 10 anos que chorava sentado no chão de um estacionamento da região central, eu nunca tinha ido a um show de rap.

Eduardo, que mora “depois de Santo Amaro”, tinha se perdido dos amigos depois que as bombas e o gás lançados pela polícia acabaram com o show dos Racionais e provocaram uma correria que poderia ter terminado em tragédia.

Tiros, cassetadas, chingamentos e viaturas em alta velocidade sendo usadas como arma contra homens, mulheres e crianças causaram pânico na multidão que tentava ir embora depois que as bombas intoxicaram o ar na Praça da Sé. Revoltados, alguns depredaram lixeiras, orelhões, carros e vitrines.

O vandalismo e a depredação mostrados pela mídia de massa como justificativa para a ação “enérgica” da polícia aconteceu depois das bombas. Não foi causa, mas sim conseqüência.

O que aconteceu antes das bombas (pessoas em cima da banca de jornal ou brigas) foram situações isoladas, envolvendo algumas dezenas de pessoas, que não justificavam a dispersão da multidão com o uso de armas químicas, terror psicológico, violência física e verbal.

A incapacidade da polícia de separar bandidos e população é preocupante em qualquer país que se diz democrático.

No lado do povo, configuravam minoria absoluta os que estavam dispostos a qualquer tipo de violência. No lado da polícia, cumpre-se ordens.

Afirmo como testemunha que circulou pelo local: o clima era de paz. Respeito e alegria se faziam mais presentes do que em qualquer noite nas “Vilas” Olímpia ou Madalena. Era visível para qualquer um que pisou na praça da Sé que 99,9% das pessoas presentes estavam ali apenas para curtir o show.

Xico Sá presenciou uma das situações apontadas pela mídia de massa como a causa do tumulto e escreveu o melhor texto publicado até agora sobre o assunto.

Tristes as declarações das autoridades de plantão.

Triste a cobertura mentirosa e sensacionalista da chamada grande mídia, que estimula o ódio e promove a desinformação ao mostrar apenas cenas de violência e dizer que “houve um conflito”, distorcendo a ordem dos fatos em uma narrativa estapafúrdia dos acontecimentos.

Interessante notar que dois dos principais veículos virtuais (Folha e G1) pediam fotos aos seus leitores no domingo. Em vez de pagamento pelo trabalho, ofereciam a maravilhosa “oportunidade” de ter a sua foto estampada no jornal. Havia pouca imprensa, poucas cameras, poucos fotógrafos.

Mesmo assim, jornalões e jornaizinhos relataram absurdos, disseram que tudo começou por causa do atraso no show (quem estava lá sabe que não houve nenhuma revolta com o horário), emitiram opiniões preconceituosas e idéias estapafúrdias a partir de suas “Vilas” blindadas.

O terrorismo midiático serve apenas para reforçar o racismo e o pânico de quem vive em um dos países mais desiguais do mundo, mas não quer entender que é preciso dividir a riqueza e as oportunidades.

Generalizar a imagem de que a “senzala é perigosa” demonstra apenas a truculência de quem (como o Dr. Fantástico de Kubrik) sente espasmos involuntários para levantar a mão direita e dizer “heil, Hitler” a espera de uma “solução final”.

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