Ciclovias paulistanas

Você consegue enxergar uma ciclovia nesta foto? Não? Fique tranqüilo: da pista compartilhada entre ciclistas e pedestres, construída na década de 90, só restou uma tênue linha branca no meio da calçada. A foto foi tirada pertinho do condomínio de mansões com 4 suítes e 9 vagas, ao lado do parque do Ibirapuera, na finíssima Vila Nova Conceição,

A calçada, por sinal, é bastante adequada a pedestres bêbados. Repare: primeiro uma desviada à esquerda para escapar do poste. Depois, no dois pra lá, dois pra cá, o passante deve fazer uma finta à direita para desviar da publicidade instalada no ponto de ônibus. Altamente adequada também para os deficientes visuais e físicos.

A publicidade ocupa metade da calçada e tem quase três metros de altura. As proporções gigantescas atingem motoristas e pedestres. Os primeiros, por causa da velocidade, só enxergam anúncios grandes. Já os pedestres são praticamente obrigados a reparar no anúncio, sob pena de dar com a testa na placa.

Pontos de ônibus transformados em outdoors são marcas na paisagem de São Paulo. Na mesma década de 90 chegou-se a revestir ônibus inteiros com anúncios, mas os marqueteiros disseram que associar a marca do produto à um veículo de péssima reputação como os ônibus não era boa estratégia de mercado. Hoje os taxis se tornaram uma “mídia mais eficiente” na cidade que não anda.

Gigantesco também é o espaço ocupado pelos automóveis estacionados nos dois lados da rua. Se o estacionamento de propriedades privadas no espaço público fosse proibido no local, a avenida poderia ter calçadas mais largas, ciclovias e mais espaço para o fluxo de automóveis e ônibus; enfim, atenderia à sua função pública de permitir a circulação de pessoas.

Os ridículos 22,7km de ciclovias e ciclofaixas paulistanas sempre foram construídos na calçada ou dentro de parques, para uso recreativo.

E não é apenas com bicicletas, buracos, postes e propagandas que os pedestres devem dividir seu espaço: dois calçadões foram exterminados na região central e oturos tantos devem ser “abertos aos veículos” nos próximos meses.

A cidade tem, por exemplo, um estacionamento chamado Praça Charles Miller, que deve se tornar pago com a implantação da Zona Azul (com direito a “cartão do estudante” e metade do preço para os alunos de uma faculdade particular da região). Tem outro chamado Calçadão da Luz, este com cobrança informal através da Miséria S/A, e mais um chamado Largo São Bento, garantido pela polícia militar (que mantém uma base no local).

Enquanto isso, os parcos trechos de ciclovias desaparecem sob os efeitos do tempo, os corredores de ônibus são liberados para veículos particulares aos finais de semana, desvalorizando o transporte público, e as leis a favor do transporte sustentável continuam sendo apenas ficção jurídica que vira notícia-propaganda em jornalão.

11 Comments